A raspadinha é o jogo social da Santa Casa da Misericórdia que mais sucesso faz em Portugal. Segundo o estudo “Quem Paga a Raspadinha” do Concelho Económico Social e da Universidade do Minho, 3,09% da população adulta em Portugal arrisca problemas de adição ao jogo e são as pessoas de mais baixos rendimentos que mais gastam dinheiro nas raspadinhas.
Vamos revelar-lhe alguns dos números mais surpreendentes sobre este estudo que indica um facto evidente: quem menos tem, investe mais dinheiro na sorte. Por quê? Porque poderá ser a última forma de fazer dinheiro num país onde escasseiam as oportunidades de elevador social e de atualização de rendimentos.
O que diz o estudo “Quem Paga a Raspadinha” sobre o jogador típico das raspadinhas?
As raspadinhas estão por todo o lado e são, em Portugal, o jogo social mais popular à frente do totoloto e do Euromilhões. Segundo aquele estudo, a Santa Casa ganha 4.2 milhões de euros por dia só com as raspadinhas. O que perfaz €1.5 mil milhões brutos por ano.
O mais surpreendente é que este volume inacreditável de dinheiro que entra para os cofres da Santa Casa da Misericórdia é produzido pelos portugueses mais pobres. Ou seja, quem recebe entre €400 e €660 é quem mais raspa. E a explicação é simples: com tão baixos rendimentos, não é possível investir, poupar e mal dá para pagar as contas da casa. Se há dois euros ou cinco euros para gastar, então esse dinheiro é aplicado em raspadinhas como forma de sonhar com um prémio chorudo em dinheiro.
Será por desespero? Por pensamento mágico numa fortuna que chegará com um investimento baixo? Será por falta de respostas do Estado Social, levando as pessoas a procurarem em raspadinhas a sua solução? Na verdade, todas estas explicações fariam sentido para explicar a popularidade da raspadinha em Portugal.
Quanto gasta em média uma pessoa em raspadinhas?
Considerando os gastos médios anuais de um apostador de raspadinhas, o estudo apurou são gastos cerca de 54€ em média por pessoa. Para quem tem como único rendimento disponível 400€, isso é um esforço ainda assim considerável. Mas devemos notar que há pessoas que gastam muito mais do que isto e cujo problema do jogo representa mesmo uma despesa incomportável. Essas seriam consideradas as pessoas viciadas nas raspadinhas e que precisam de ajuda social.
Quantos viciados em raspadinhas existem em Portugal?
Neste momento há quem faça uma estimativa por baixo do número de pessoas com adição às raspadinhas em Portugal, indicando pelo menos 39 mil pessoas com “vício patológico”.
E quando vemos que as pessoas de mais baixo rendimento jogam 3,1 vezes mais do que as pessoas de mais altos rendimentos, vemos que o vício afeta de forma desproporcional os mais desprotegidos.
8,7% dos inquiridos no estudo disse, adicionalmente, que joga pelo menos uma vez por dia nas raspadinhas. É, portanto, um hábito passar pelo quiosque e comprar um bilhete da sorte que possa elevar o apostador da sua condição de pobreza. A sorte e a esperança renovam-se a cada bilhete, mesmo que no longo prazo só dê prejuízo e dores de cabeça.
Quem são as pessoas com mais propensão para desenvolver problemas de jogo?
Os mais pobres são os mais vulneráveis e o que sentem o maior apelo pelas raspadinhas. Porém, também podemos olhar para as pessoas com problemas prévios de adição a substâncias como o álcool e o tabaco, e percebemos que nessas a probabilidade de se viciarem em raspadinhas também aumenta.
Entre estas pessoas com problemas prévios de adição com outras substâncias, elas acabam também por representar até 45% das pessoas com adição a raspadinhas. São números expressivos e que levaram por exemplo os CTT a deixarem de vender estes jogos como forma de prevenção de um problema social que cresce como bola de neve.
Que problemas típicos têm as pessoas que mais jogam em raspadinhas?
Os jogadores mais frequentes e até compulsivos de raspadinhas têm maior tendência de desenvolver outro tipo de problemas de saúde que criam lastro e que são altamente disruptivas para o indivíduo. O estudo da Universidade do Minho indica que cresce o potencial para ansiedade, depressão, stress, entre as pessoas que mais jogam na raspadinha.
O estudo conseguiu perceber qual o universo de pessoas que apresenta efetivamente problemas de saúde associados ao jogo regular. 22,58% dos inquiridos dizia ter sintomas depressivos. A ansiedade estava presente em 25,81% dos inquiridos e o stress em 29,81%.
Sabemos que estes autodiagnósticos entre os apostadores mais regulares podem pecar por defeito, e não têm em conta o lastro cumulativo que este género de problemas mentais pode gerar. O efeito bola de neve é real.
Ou seja, a ansiedade pode-se transformar em compulsão e em pensamentos intrusivos, o que pode adensar um diagnóstico de depressão, problemas em dormir, e todo o género de questões sistémicas que afetam o organismo. Além disso, o risco de pobreza ou de comportamento delinquente pode aumentar ainda mais. É por isso que se torna necessário uma resposta social vigorosa, assim como medidas de educação e prevenção do jogo.
Quem contactar em caso de adição ao jogo?
A SICAD é o organismo público do Serviço Nacional de Saúde que dá respostas sociais e médicas a todos os que possam estar a enfrentar problemas de adição. Incluindo adição ao jogo. A sua sigla significa: Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências.
As pessoas que decidam por sua iniciativa integrar um programa de recuperação de adição ao jogo através da SICAD poderão aceder a um Centro de Saúde e pedir referenciação a um médico. Também existem algumas unidades de saúde especializadas em adição nos vários municípios, que têm igualmente a capacidade de referenciar e colocar as pessoas em tratamento.
Existem ainda linhas telefónicas que atuam como primeira linha de apoio e referenciação para quem não tenha capacidade logística ou de organização disponíveis. Qualquer pessoa pode ligar a qualquer momento para a Linha Vida, de forma a receber o primeiro apoio psicológico mas também técnico para poder começar a resolver no imediato o seu problema de adição.
Que apoios são dados às pessoas com problemas de adição às raspadinhas ou de outro tipo?
Quando falamos de problemas de adição psicológica ou que resultam em disfunções comportamentais, há vários tipos de apoios que são garantidos pelo SNS. Apesar de haver também apoio especializado e direcionado para pessoas com adições químicas a substâncias, vamos focar-nos na ajuda psicológica para quem possa ter adição a raspadinhas.
Apoio com consultas de psicologia
Estas consultas, garantidas gratuitamente pela SICAD a quem tenha problemas de adição, permitem apoiar o paciente de regula regular e enquanto ele se considera em tratamento.
Baseadas no paradigma cognitivo-comportamental, estas consultas criam lugares seguros de diálogo e reflexão com o paciente para tratar problemas do foro mental. Expectativas de vida, problemas com o dinheiro, criação de relações sociais saudáveis, redução do sofrimento psíquico, superação de compulsões ou de pensamentos ruminantes. Tudo isto pode ser resolvido nas consultas de psicologia direcionadas à pessoa com adição.
Acompanhamento de enfermagem
Para pessoas que precisem de um tipo de intervenção mais estruturante e social, poderão ser dadas respostas de enfermagem e social. Isto é, quando se trate de casos-limite de adição e desestruturação, poderá haver necessidade de tomar medicação específica para regular emoções e comportamentos, mas também receber apoio técnico para reorganizar a vida.
Este acompanhamento de enfermagem permite assim definir um plano de tratamentos mais estruturante, em que o profissional de saúde está em contacto com o paciente e família e dá apoio em todas as fases da recuperação. Incluindo no acompanhamento da toma de medicação.
Participação em grupos de apoio terapêutico
Os grupos de apoio terapêutico podem ser organizados de várias formas e ter periodicidade distinta (por exemplo, podem ser semanais ou decorrer de duas em duas semanas). Estes grupos de suporte reúnem vários pacientes para partilha de experiências, ajuda mútua, e até para iniciativas de psicodrama de terapia coletiva.
Partilhar experientes com antigos ou atuais pacientes pode acelerar o processo de recuperação e é por isso que são soluções importantes dentro do âmbito das adições.
Integração em Comunidades Terapêuticas
Como solução de fim de linha, e para quem já não tenha autonomia ou independência para se reorganizar e levantar de um problema sério de adição, existem sempre as comunidades terapêuticas.
Nas comunidades terapêuticas, os utentes ficam internados por períodos de três a seis meses. Se bem que os períodos podem ser diferentes consoante o caso em tratamento.
Estes espaços residenciais e de tratamento constroem contextos sociais e técnicos saudáveis e que promovem a rápida recuperação das pessoas.
Ao aceder às comunidades de tratamento, o objetivo é promover novas rotinas saudáveis. Isso faz-se pelo contexto à sua volta, com apoio permanente de técnicos de saúde, médicos e de outros pacientes que estão a passar pelo mesmo. A prazo os pacientes ganham nova autonomia e uma vida independente.
Como jogar na raspadinha de forma saudável?
Qualquer pessoa que viva em Portugal tem vizinhos que jogam regularmente em raspadinhas. Se calhar, até os próprios leitores já sentiram essa tentação de apostar 2€ para sonhar com dezenas de milhares de euros em prémios. E se a esperança e o jogo nas raspadinhas não são coisas más, por outro lado é importante ser regrado e ter consciência dos perigos.
No que respeita ao jogo, seja ele em raspadinhas ou noutros, é importante ter presente estes princípios:
- Defina um orçamento mensal para jogo e não o ultrapasse. Por exemplo, pode definir 5€ no máximo para jogar por mês em raspadinhas.
- Não volte a apostar o dinheiro que teve a sorte de ganhar. Todos sabemos que apostar prémios baixos costuma resultar em perdas.
- Considere a raspadinha como um jogo de diversão, não para ganhar dinheiro. As probabilidades de ganhar milhares de euros são tão baixas que não vale a pena pensar que vai extrair dali dinheiro necessário para a sua vida.
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