A herança do governo António Costa não será de todo abandonada pelo novo executivo da AD. O governo de Luís Montenegro pode reaproveitar medidas como a reforma a tempo parcial. Além disso, pretende-se criar condições mais vantajosas para os descontos dos trabalhadores a recibos verdes. A fiscalidade poderá assim ter mudanças e ganhos de direitos para os recibos verdes.
Com isto, pretende-se prolongar os descontos e contribuições da vida ativa. Ao mesmo tempo que se beneficia quem participa na economia seja como trabalhador independente ou trabalhador com longa carreira contributiva. Vamos olhar para algumas dessas medidas para perspetivar os eventos ganhos em direitos. Mas também a flexibilidade que os trabalhadores portugueses irão ter.
O que é a reforma a tempo parcial?
A reforma a tempo parcial é uma medida debatida no âmbito do “acordo de rendimentos”, e que resultou de anteriores reuniões de concertação social e debate. A ideia era, já no tempo de António Costa, criar mecanismos de acesso parcial à reforma que seria acumulável com rendimento do trabalho. Este suplemento de rendimentos com acesso a uma parte da reforma com garantia ainda antes da idade legal da reforma.
A intenção naquela altura, como agora, era permitir uma transição mais suave entre a vida ativa e a reforma. Eventualmente adiando o acesso à reforma completa. Para isso, pretende-se manter os trabalhadores no mercado de trabalho por mais tempo. O ponto de acordo é quando os rendimentos se mantenham competitivos e acima do salário médio para uma categoria profissional.
Esta medida não foi implementada por António Costa devido à queda antecipada do governo. Contudo, o governo de Luís Montenegro vai recuperá-la. Isto porque a medida foi incluída no chamado plano de ação do envelhecimento ativo e saudável, devendo assim ser aplicada até 2026.
O que Luís Montenegro propõe para acesso a reforma parcial
Luís Montenegro quer manter a intenção de conceder uma reforma parcial que dê para complementar com rendimentos do trabalho. Segundo se lê no documento do programa de governo da AD, pretende-se a:
- “Introdução de mecanismos de reforma a tempo parcial que permitam prolongar a vida ativa, continuar a trabalhar e a acumular rendimentos do trabalho e de pensões, atingindo uma maior flexibilidade da idade de acesso à pensão completa por velhice”.
Por outro lado, o empregador também fica dispensado de comunicar à Segurança Social a passagem do trabalhador a pensionista. Sendo que esse processe passa a ser gerido inteiramente pelo trabalhador, através dos seus próprios meios.
Outras medidas que Luís Montenegro irá recuperar da Concertação Social
O novo governo da AD vai recuperar outras medidas debatidas e aprovadas na chamada Concertação Social. Parte dessas negociações resultaram de reuniões anteriores entre António Costa, Sindicados e confederações de trabalhadores, e o patronato.
Uma dessas medidas tem a ver com o lançamento de um programa de incentivos para aproximar os estudantes do mercado de trabalho. Irá ser criado um regime de “estudante-trabalhador” para esse fim. E terá um enquadramento legal e fiscal especial. Além disso, serão revistos alguns modelos de trabalho temporário, como os contratos intermitentes. E será criado um incentivo financeiro para formação personalizada e contínua.
IRS dos recibos verdes poderá mudar
O governo da AD está a estudar mudanças na forma de tributação dos recibos verdes. Elas poderão resultar da recuperação das medidas da Concertação Social. Apesar de ainda estar em fase de apreciação, espera-se que uma das bandeiras da Esquerda – o fim à precariedade nos recibos verdes – tenha agora aplicação real.
O facto de um trabalhador a recibos verdes estar em permanente estado de instabilidade, sendo o responsável pelo pagamento das contribuições de Segurança Social e IVA, poderá ser revisto. O que está a ser ponderado é aproximar a tributação dos recibos verdes à tributação do trabalho dependente. Aqui, os impostos passarão a ser garantidos pelo empregador. Isto quando o trabalhador tenha dependência econômica face à entidade contratante.
Para já ainda nada em concreto na tributação dos recibos verdes
O governo da AD estará sensível ao argumento dos patrões, que defendem menos impostos e maior flexibilização no mercado de trabalho. No entanto, eliminar fatores de empobrecimento e desigualdade entre os trabalhadores é um trabalho importante. Pelo que isso também estará a ser abordado.
O programa de governo da AD defende medidas que aproximem os direitos dos trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores independentes. Pelo que em direitos no desemprego, doença, reforma, fiscalidade e outros dever-se-á procurar uma convergência.
Além disso, foi apenas em 2022 que o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, defendeu mudanças na retenção na fonte dos Recibos Verdes. Mas ainda nada foi feito.
Compromisso do PS com a AD para avanços fiscais no trabalho independente
O Partido Socialista mostrou-se disponível para aprovar medidas do governo no que respeita à aplicação de tributação progressiva para os trabalhadores independentes. Isso significa reduzir à partida um fator de desigualdade entre trabalhadores por conta de outrem e independentes, por isto: no primeiro caso, a retenção na fonte de IRS é variável, no segundo há uma taxa única de 25%.
Há ainda o ponto da obrigação da declaração trimestral de rendimentos à Segurança Social. Na perspetiva do governo, esta obrigação que recai sobre os trabalhadores independentes poderá não fazer sentido, flexibilizando e tornando mais fácil o processo de declaração de rendimentos para estes trabalhadores.
Note-se que as declarações trimestrais foram aprovadas em 2019, numa tentativa de afinar o grau das contribuições mensais de acordo com os rendimentos reais a cada três meses. Além disso, os trabalhadores independentes já podem escolher contribuir numa gama que vai entre – 25% e + 25% da contribuição calculada por mês. Isso dá mais margem para a gestão da vida financeira.
O que vai mudar na Tributação do trabalho?
O clima de jogo de xadrez político que se vive atualmente na Assembleia da República impede o anúncio de medidas antecipadas. Isto porque tudo deve ser debatido e aprovado com apoio parlamentar. O que neste momento se joga é a aprovação do orçamento para 2025. E, nesse âmbito, o diálogo em particular com o PS será fundamental para a manutenção deste governo.
Assim, espera-se que haja um esforço de conciliação entre aquilo que tinham sido as medidas aprovadas em concertação social por António Costa, e as que serão as medidas da atual AD. Se assim for, a progressividade nos impostos dos recibos verdes e a reforma parcial e antecipada poderão ter luz verde já no próximo ano. Ainda assim, a incerteza mantém-se.
Devemos esperar pelo fim deste ano para ficarmos com uma melhor perceção do que será capaz o executivo de Luís Montenegro em diálogo com Pedro Nuno Santos do Partido Social. As novas medidas em matéria de tributação do trabalho dependerão disso.