Acaba de ser revelado que, em 2023, Portugal teve o mais baixo nível de investimento público da Zona Euro. Uma tendência que já vem acontecendo há pelo menos 10 anos. Isso é o fruto da reestruturação financeira e económica de 2011, quando se deu a intervenção da Troika. Desde então que as cautelas com a despesa e o controlo do défice têm sido prioritárias para os governantes.
Os fundos públicos em Portugal parecem vir quase em exclusivo das ferramentas de capitalização europeias. Como, por exemplo, o PRR que veio beneficiar um universo alargado de PMEs desde há dois anos. Traçamos o cenário dos níveis de investimento e como pode um empreendedor português lançar um negócio em 2024.
Qual foi o nível de investimento público nos últimos anos
Segundo dá conta o jornal ECO, nos últimos 10 anos o nível de investimento público tem sido, em média, de 2,1% do PIB ao ano. Isso torna Portugal num dos países que menos mobiliza investimento público em iniciativas estratégicas de reforço da economia ou da coesão social.
Em 2023, o valor do Estado destinado a Empresas e à Sociedade rondou os 6,7 mil milhões de euros. O que equivale a 2,5% do PIB (um melhoramento face aos anos anteriores, mas ainda assim longe da média Europeia). Contabilizando os 20 países que estão na Zona Euro, e os 27 Estados-Membro que integram a União Europeia, dá para ver que só a Irlanda ficou abaixo de Portugal.
Portugal vê-se mais uma vez na cauda da Europa numa das categorias mais importantes para aferir aspetos do desenvolvimento económico e da coesão social. Uma tendência que se repete há cerca de uma década. As famosas “cativações” parecem ser o modus operandi de múltiplos governos que preferem não arriscar desequilíbrios da balança comercial em nome das chamadas “contas certas”. E a forma mais fácil de o conseguir é, claro, minimizando ao que for possível a rúbrica da despesa.
O contraponto desta atitude vê-se não só no tecido económico pouco dinâmico, mas também na deterioração progressiva de largas camadas da sociedade. Com um crescimento da pobreza e as reivindicações cada vez mais desesperadas de classes como a dos professores pela recuperação de salários estagnados.
O que dizem os especialistas sobre a estagnação do investimento público?
Entrevistado pelo ECO, o professor catedrático de finanças e presidente do ISEG fala no “efeito do sucesso” (…) da nossa política de ajustamento”. Remete precisamente para os tempos da Troika. Como se em Portugal nunca tivéssemos abandonado esse regime governativo de baixos salários, perda de direitos e baixo investimento.
Como se costuma dizer na gíria popular: naquilo que funciona não se mexe. E a verdade é que Portugal tem conseguido atingir superavits históricos, o que até faz pensar que o país tem a economia num ponto surpreendente de dinamismo. O problema é que se isso se faz à custa do esmagamento das condições de vida de camadas cada vez maiores da população. Por isso que os mais recentes candidatos socialistas a governo têm vindo dizer que este é o tempo de incrementar o investimento público. E de “aliviar o peso fiscal sobre as famílias”. Como é o caso de Pedro Nuno Santos mas também o atual executivo social-democrata de Montenegro.
O que dizem os dados sobre o investimento público
Os dados do Eurostat mostram que podemos olhar para um período temporal de três meses e até cinco anos para detetar uma tendência no investimento público. A formação bruta de capital fixo das administrações públicas é a métrica mais importante no que respeita a investimento público. Esta tem vindo a variar entre os 2,5% e os 2,32% do PIB. Fica acima dos 2,2% do PIB da Irlanda, o país europeu que menos investe com dinheiro público. Mas está longe da média de 3,2% dos países da Zona Euro considerando este espaço temporal.
Se quisermos observar a tendência a 10 anos, desde 2014, verificamos que Portugal é mesmo o país com um nível mais baixo de “formação bruta de capital fixo das administrações públicas”. A média desde essa altura cai para 2,1% do PIB por ano, o que afasta Portugal em cerca de 25% da média dos restantes Estados-membros.
Apesar de um ponto percentual de distância não parecer significativo, a verdade é que se jogam com valores do PIB que poderiam dar resposta aos principais conflitos sociais e laborais que atualmente enfrentamos em Portugal. Desde repor o tempo de serviço dos professores, financiar o parque habitacional para reduzir rendas, reforçar o sistema nacional de saúde que desde os tempos da pandemia enfrenta um esforço assinalável para não desabar. É um ponto percentual que faria a diferença nas vidas de centenas de milhares, se não mesmo milhões, de pessoas em Portugal.
No que respeita às dimensões de investimento estratégico em que Portugal tem falhado, destacam-se:
- A manutenção e aumento de infraestruturas como linhas de comboio (as atuais e o TGV), escolha do aeroporto, reforço de modalidades rodoviárias de transporte.
- Construção e reabilitação de escolas, hospitais.
- Reabilitação urbana.
Efeitos da falta de investimento no tecido económico português
Uma década a investir abaixo do normal significa que Portugal tem vindo a deixar a sua economia cada vez mais dependente do turismo, e com a degradação lenta e progressiva das suas infraestruturas e indicadores sociais. Ainda que medidas como o passe social, as prestações sociais, as negociações em sede de concertação social para aumento do salário mínimo sejam importantes, elas ficam aquém das reais exigências do país.
Além disso, é importante ver que retomar níveis de investimento que permitam recuperar estas componentes sociais e económicas em degradação significa um esforço em percentagem do PIB cada vez maior quanto mais tempo passamos com “cativações” e controlo do défice. É como se Portugal ainda vivesse debaixo do trauma da troika, e os governos sucessivos, do PS ao PSD, tivessem receio de novas derrapagens que colocassem o nosso tecido social em polvorosa.
Se olharmos para a teoria económica, vemos que o investimento público em níveis baixos limita a capacidade de resposta do Estado em situações de crise, como a crise inflacionista recente ou a crise da degradação do SNS que está a provocar danos reputacionais irreparáveis dos nossos serviços públicos. Mas também agrava o potencial de crescimento económico do país, cada vez mais remetido para o turismo.
Capitalização de empresas via IAPMEI e PRR – Como podem os negócios avançar em Portugal?
Entidades como o Banco Português de Fomento e o IAPMEI são quem gere a implementação de rúbricas importantes do Plano de Recuperação e Resiliência (o principal estímulo europeu de financiamento das economias). Assim, como vemos, uma das principais fontes de financiamento das empresas em Portugal passa pelos fundos europeus, e sem eles é difícil um pequeno negócio crescer.
Só o Banco Português de Fomento tinha, em 2021, 1.3 mil milhões de euros disponíveis para empréstimo às empresas, com condições de acesso públicas e abertas, devidamente publicadas pelo Fundo de Capitalização e Resiliência. Contudo, em 2023, o IAPMEI continuava com vários milhões em atraso para injetar na economia portuguesa. Uma ineficiência pouco explicável num país que precisa urgentemente de capital em circulação no tecido económico.
Com os concurso do PT2030, que estão abertos até 2026, Portugal tem aceso a €4.15 mil milhões para entregar às empresas fruto do PRR. Contudo, muitas continuam a preferir lançar negócios unipessoais de baixa escala e baixa inovação, ligados principalmente ao comércio de bairro, comércio digital ou turismo, já que as dificuldades de escalar e de inovar permanecem muito altas.