BCE Euro Digital

O Banco Central Europeu anunciou dia 18 de outubro que se prepara para lançar um euro digital, num projeto multianual transformar a relação de todos os europeus com o dinheiro. Isso significa que novas formas legais e fiduciárias de lidar com o comércio digital, mas também com a vida financeira em geral, poderá estar prestes a chegar à Europa. E isso é um desenvolvimento, ao que tudo indica, da popularidade crescente das criptomoedas.

Alguns países já introduziram as suas próprias moedas digitais emitidas por bancos centrais, como é o caso da China que desenvolveu um protótipo digital do Yuan. No caso chinês, o Yuan digital está a ser testado por 200 milhões de pessoas. Mas também a índia e no restante continente asiático estão-se a testar soluções centralizadas de moedas digitais. A economia, o salário e o comércio poderão vir a mudar por causa disso!

O que está planeado para a introdução do euro digital?

O anúncio do Banco Central Europeu na quarta-feira, com vista a estabelecer o seu próprio projeto piloto de moeda digital para os 20 países do espaço europeu está a gerar entusiasmo. O BCE é um dos principais bancos centrais que representa um dos blocos económicos mais poderosos em todo o mundo – o do espaço comum europeu. Além disso, o BCE é a primeira entidade ocidental a testar uma solução de moeda fiduciária digital e centralizada, o que criaria os pressupostos e fundamentos para outros países seguirem o exemplo.

Quais são as virtudes e problemas das moedas fiduciárias digitais?

Devemos dizer com franqueza que só começaram a surgir iniciativas de moedas digitais centralizadas porque as criptomoedas se tornarem num verdadeiro exemplo de sucesso. Elas surgiram depois da crise financeira global de 2008, quando se procurava uma solução para o desastre da banca comercial tradicional em todo o mundo. E foi por se terem afirmado como uma verdadeira alternativa que vingaram nos mercados.

Agora, muitos proponentes das moedas digitais fiduciárias (do Euro ao Yuan e até ao Dólar) já querem seguir o exemplo das criptomoedas. Propostas legislativas referem o potencial para modernizar sistemas de pagamentos e fornecer novas funcionalidades na relação cidadão-consumidor com várias interfaces comerciais online e offline. Além disso, e o que não é muito referido, é que o dinheiro digital deixará rasto de metadados que é mais um elemento importante de controle de dados sobre os cidadãos.

Apesar disso, permanecem algumas questões sobre se as moedas digitais fiduciárias podem mesmo ser ou não vantajosas. Referimos, a título de exemplo, os problemas de privacidade que elas levantam, já que os seus utilizadores passam a ser identificados em cada transação. Mas também há custos e riscos assinalados pela banca comercial, com possibilidades de descapitalização e manipulação instantânea de transferências. As várias formas novas de hacking ou de cibercrime também não são de colocar de parte.

De que forma o euro digital pode transformar a nossa relação com o dinheiro?

O plano do BCE para criar um euro digital vai criar uma tendência séria para o mundo ocidental que outros países, a começar pelos EUA, irão seguir. Josh Lipsky, que gere um organismo financeiro e observatório do dinheiro chamado Atlantic Council diz isso mesmo. “O resto do mundo irá acompanhar esta iniciativa de pero”.

Segundo Lipsky: “este [o BCE] é o maior banco central, por isso ele deverá resolver as questões mais importantes de privacidade e cibersegurança, e a capacidade de usar [o dinheiro digital] offline. Será muito influente”.

Os bancos centrais começaram a trabalhar nas suas propostas de dinheiro digital há cerca de cinco anos, quando o Facebook anunciou que também criaria uma nova moeda global. Agora, os legisladores e políticos estão ainda na fase de justificar a necessidade de dar um passo idêntico nesse sentido.

Fabio Panetta, um técnico do BCE que está responsável pelo trabalho de investigação e implementação do euro digital, diz que a criação dessa moeda deverá preparar o futuro. Por outras palavras, o euro digital deverá reduzir a exposição ao risco relativamente a cartões de crédito ou a sistemas de pagamento desregulados. Mas os especialistas ainda não estão convencidos sobre a necessidade real de criar o euro digital.

Será que o Euro Digital vai criar uma nova tendência para acelerar a digitalização do dinheiro?

Se o BCE demonstrar ter reais intenções de legislar e lançar o seu euro digital em todo o espaço comunitário, a Reserva Federal Americana e o Banco do Japão deverão também seguir-lhe o exemplo. Isto porque a influência e autoridade do BCE são tão grandes que se espera venha a acelerar a adoção de moeda digital fiduciária no resto do chamado “mundo ocidental”.

Um caso de teste importante será o da Índia, que tem 1 bilião de utilizadores potenciais para a sua moeda digital, uma economia pujante e aberta. Além de que permitirá recolher dados em massa sobre a iniciativa de uma moeda digital regulada pelo Estado.

Em contraste, o Canadá que já testou modelos de implementação para moeda digital parecem estar pouco interessados em avançar para a sua implementação, dado o fraco sucesso das suas experiências.

Também saíram dados recentes provenientes das Bahamas, país caribenho que lançou a sua moeda digital em 2020, e que demonstrou um arrefecimento acentuado na utilização desta moeda. A moeda digital das Bahamas era o SandDollar, e a sua utilização foi decaindo em 11% nos primeiros sete meses de lançamento, dado sinais muito fracos de adesão por parte dos seus utilizadores.

Resultados do FMI sobre a utilização de moedas digitais

O FMI (Fundo Monetário Internacional) produziu um relatório este ano, em maio, sobre a adoção do eNaira na Nigéria, a sua moeda digital. Nos termos do relatório, a adoção do eNaira foi “desapontante e baixa”, com 98,5% das carteiras digitais fornecidas a não terem qualquer utilização.

Diz-se no relatório que “a adoção atual do eNaira é o reflexo do conhecimento sobre moedas digitais centralizadas”.

Bo Li, um dos diretores do FMI, disse que um dos desafios atuais é promover a literacia financeira relativamente às moedas digitais centralizadas, com guias de utilização e maior sensibilização. Por isso é importante criar plataformas e um debate público sobre estas inovações que se tenta introduzir.

De que forma o Euro Digital pode ajudar as economias?

Não é claro para já o que pode fazer o Euro Digital para atacar o problema da inflação, dos baixos salários, da pobreza e da desigualdade. Estes são os temas políticos fraturante para os parlamentos e eleitorados dos países europeus, cuja população poderá olhar para o euro digital como uma mera futilidade que só permite acelerar o comércio digital.

Por isso, o BCE e a classe política europeia deverão ser capazes de justificar a legitimidade e interesse do euro digital para a coesão social e fortalecimento das economias. Caso não usem estes argumentos, o Euro Digital poderá ver-se rodeado de ceticismo e ataques da sociedade civil, e por bons motivos: se não serve a economia e as pessoas, então para que serve?

A utilidade teórica do Euro Digital para as economias

O Euro digital que o BCE quer estudar e aplicar em testes-piloto tem desde logo uma função: ajudar ao robustecimento das economias. Antecipando a aceleração da digitalização das economias, com a implementação de um Euro Digital criar-se-ia um sistema de pagamentos que poderia estar associado à identidade digital de cada pessoa. Por exemplo, o cartão de cidadão poderia codificar uma wallet de euros digitais, mas também poderia estar associado ao telemóvel, e com isso fazer todo o género de pagamentos online e offline.

Acelerava-se assim os sistemas de pagamentos seguros e promovia-se um ecossistema de negócios digitais e físicos mais coeso e controlado centralmente. Além disso, a fuga de capitais não seria tão grande, já que o euro digital substituir-se-ia a ferramentas como as criptomoedas.

Euro Digital tem o efeito de atrasar ou impedir a utilização das criptomoedas

As criptomoedas são vistas como um risco pela banca comercial e pelo Estados. Uma vez que são descentralizadas e não estão sujeitas a qualquer tipo de regulação. Por isso, podem ser usadas para fugir ao fisco, para promover fuga de capitais e de atividades ilícitas. Assim, criar um ativo digital centralizado como o Euro Digital permitiria, na teoria, combater a fuga de capitais e deixar as economias mais líquidas.

Claro que tudo depende da vontade de adoção do Euro Digital por parte dos consumidores.

Euro Digital poderá facilitar o pagamento de prestações sociais

Imaginemos um futuro em que o RSI, os Cheques-Cultura, os subsídios ou o RBI estariam em vigor. Num cenário de robustecimento das prestações sociais e do Estado Social, ter uma wallet digital por cidadão poderá facilitar.

As transferências de prestações seriam assim mais rápidas. Mas o controle dos beneficiários seeria uma tentação. Isso porque poder-se-ia criar bases de dados mais eficientes sobre os efeitos destas medidas.

Riscos da implementação do Euro Digital

Os riscos pesam de forma significativa na hora de optar pela adoção do Euro Digital. E é por isso que os reguladores do setor ainda não avançaram com uma posição mais definitiva.

Os legisladores europeus vão ter de dar respostas afirmativas em relação aos seguintes pontos antes que um Euro digital possa avançar:

Recolha e tratamento de dados ligados ao Euro Digital

Os consumidores continuam a ter a hipótese de usar dinheiro real extraído do multibanco para realizarem as suas despesas quotidianas. Essa é a prática que garante maior privacidade na gestão das suas finanças e das suas compras. Os pagamentos com cartões de débito deixam uma pegada digital. Mas os pagamentos com Euro Digital podem ser verdadeiramente intrusivos do ponto de vista da privacidade.

Que garantias podem os consumidores ter de que as suas transações com Euro Digital não deixarão metadados onde a sua identidade pode ser revelada? Isso poderia permitir a recolha de dados em massa sobre hábitos de consumo, estilos e opções de vida de cada um que podem ser comprometedores. O tema da privacidade tem de ser debatido antes que o Euro Digital possa ser adotado.

Riscos de hacking e de cibersegurança

Nenhum sistema eletrónico é, por inerência, isento de riscos. Se as criptomoedas são descentralizadas, contribuindo com uma camada superior de proteção, o mesmo não se pode garantir com pagamentos centralizados.

Por isso a arquitetura do futuro Euro Digital deverá também ser estudada e debatida.

Acessibilidade do Euro Digital

Em países profundamente envelhecidos como Portugal pode haver problemas com a utilização do Euro Digital. Isso deve ter sido em conta antes de se promover o Euro Digital de forma alargada.

Por este motivo, o Euro Digital não deverá ser um meio de pagamento único. Tudo o que se relacione com esta forma de pagamento deverá antes ser opcional e sujeita a debate nacional.

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