caução coloca ricos em liberdade

O Co-fundador da Altice em Portugal, Armando Pereira, foi acusado na Operação Picoas de “viciação decisória do Grupo Altice” e condenado a pena de prisão domiciliário. Está também em causa as suspeitas de fraude que terão lesado o Estado português em 100 milhões de euros. Mas, como várias vezes acontece, os mais ricos têm acesso a mecanismos legais de pagamento de cauções elevadas para evitar prisão. E foi isso que aconteceu a Armando Pereira, como já tem acontecido a outros famosos do mundo empresarial e financeiro.

Neste artigo dizemos-lhe como os mais ricos de Portugal têm evitado penas de prisão com o pagamento de cauções avultadas. Poderá quer saber como as pessoas com grande património investem em Bitcoin sem KYC para evitar pagar impostos.

O caso de Armando Pereira: paga 10 milhões para escapar à prisão

A chamada Operação Picoas resultou numa condenação a prisão domiciliária a Armando Pereira, o co-fundador da Altice Portugal. Neste contexto, foram-lhe imputados seis crimes de corrupção agravada no setor privado. Também um crime de corrupção passiva no setor privado. Quatro crimes de branqueamento de capitais e vários crimes de falsificação de documentos.

Segundo diz o site ECO, havia também indícios contra Armando Pereira relativamente a “aproveitamento abusivo de taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira”. Estes esquemas de fraude e corrupção conduziram a uma pena de prisão domiciliária que não tinha sequer vigilância ou pulseira eletrónica. Mas agora, o procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal diz que essa medida de coação já não se justifica. E que pode ser paga a caução de 10 milhões para Armando Pereira ficar em liberdade.

E foi isto mesmo que aconteceu. Armando Pereira deverá pagar a caução de 10 milhões de euros para escapar à prisão. E este empresário português ficará assim na história com a figura que pagou a caução mais elevada de sempre para ficar em liberdade e evitar cumprir pena.

Outros casos de aplicação de cauções elevadas em que os mais ricos escaparam à prisão

Em todo o continente Europeu observamos um paradigma prisional e criminal radicalmente distinto do norte-americano. Enquanto nos EUA a punição é a o principal fator moral por trás do sistema prisional, na Europa aposta-se na reinserção e reabilitação a par da punição. Isso significa que há mais mecanismos para evitar penas de prisão em Portugal e na europa, que podem ir desde o trabalho comunitário, à pena de prisão domiciliária e até o pagamento de cauções.

A verdade é que os mais ricos continuam a ser os mais privilegiados na defesa dos seus casos e também nas hipóteses de escaparem ao cárcere. No caso de Armando Pereira, isso não lhe saiu barato, já que tem de pagar uma caução de 10 milhões de euros para ficar em liberdade. Mas houve outros casos recentes de pagamentos elevados de caução que garantiram essa carta tão apetecida no jogo do Monopoly: “Sair da Prisão”.

Manuel Pinho – Caução de seis milhões de euros

O ex-ministro do governo de José Sócrates e insider do Grupo Espírito Santo, Manuel Pinho, foi constituído arguido em 2017 no caso EDP. Foi investigado nessa altura por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo que envolvia o BES. Mas também uma offshore que o próprio criou, chamada Tartaruga, para evitar o pagamento de impostos em Portugal.

Em 2021, o juízo Carlos Alexandra decidiria sobre o caso de Manuel Pinho e aplicar-lhe-ia uma caução de seis milhões de euros e também prisão domiciliária.

Manuel Pinho não terá preparado convenientemente a sua carreira, já que parece não ter os seis milhões disponíveis para pagamento de caução. Sendo assim, mantém-se numa situação de relativo privilégio, em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, evitando a prisão preventiva em estabelecimento público.

Joe Berardo – Caução de cinco milhões de euros

Joe Berardo é o terceiro caso de pagamento de caução mais elevada no âmbito de um processo de crime financeiro. O empresário é especialmente conhecido do grande público pelo acordo com o Estado para explorar uma coleção de arte contemporânea no CCB.

Joe Berardo foi detido a 29 de junho 2021 por indícios de burla qualificada, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada. Mas também abuso de confiança qualificada e crime de descaminho. A pena aplicada implica uma caução de cinco milhões de euros, a proibição de sair do país e a entrega do passaporte.

Berardo safou-se bem, já que deu por garantia imóveis avaliados em oito milhões de euros. Evitando assim qualquer tipo de pagamento com a alienação de património. E ficando assim em liberdade para continuar a explorar os seus negócios no mundo da exploração mineira, na produção de vinho e das atividades culturais.

Ricardo Salgado – Caução de três milhões de euros

Um dos homens mais malditos deste momento em Portugal é Ricardo Salgado, um dos responsáveis pelo colapso do BES e de uma rede PMEs que abalou a economia portuguesa. Em 2015, e no decorrer de um processo de investigação por vários crimes financeiros, viu um desfecho favorável para o seu caso. O pagamento de três milhões de euros de caução para ficar em liberdade.

Foi uma das boas notícias para um dos banqueiros mais famosos do país. Deste modo, isentou-se de problemas maiores no chamado “processo do Universo Espírito Santo”, que ainda assim continua a decorrer.

Luís Filipe Vieira – Caução de três milhões de euros

Luís Filipe Vieira é um ex-presidente do Sport Lisboa e Benfica. Ele tinha um prestígio só equiparável ao de Pinto da Costa, o que o tornou num dos arguidos por crime financeiro com mais exposição mediática. Segundo os dados da acusado, estavam em causa: “crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento”.

O resultado deste processo? A exigência do pagamento de uma caução de três milhões de euros para ficar em liberdade. O problema de Luís Filipe Vieira é que pretendia seguir o exemplo de Joe Berardo e dar de garantia um imóvel e ações do Benfica para o pagamento dessa caução. Uma manobra que não foi aceite pelo juiz.

Como as ações estão sujeitas a alta volatilidade, o juíz Carlos Alexandre determinou que a caução deveria ser paga de outra forma.

Luís Filipe Vieira ainda tem de descalçar esta bota, apesar de parecer um bom negócio em troca da liberdade.

António Mexia e Manso Neto – Caução de três milhão de euros

António Mexia e Manso Neto são dois antigos gestores da EDP que se viram envolvidos num processo criminal chamado EDP/CMEC.

Os gestores foram acusados de quatro crimes de corrupção ativa e de um crime de participação económica em negócios. A investigação levou oito anos até ficar concluída.

Assim, e em troca de liberdade, António Mexia ficou com a hipótese de pagar uma caução de dois milhões de euros. E Manso Neto uma de um milhão de euros.

Adicionalmente, os condenados estão impedidos de continuar em funções de gestão e de entrarem em qualquer instalação da EDP.

O que é uma caução e como funciona?

A caução é uma medida prevista na lei que pretende substituir-se a uma pena de prisão e que tem caráter preventivo. Ela serve para evitar a continuação de atividade criminosa e de proteção de prova. Apesar disso, a caução pode ser acumulável com outras medidas punitivas, com exceção da prisão preventiva.

O pagamento de uma caução pode ser uma vantagem para quem tenha capacidade de a pagar, ou instrumentos de negociação que se substituam ao pagamento em dinheiro da caução. De notar que os arguidos não podem faltar sem justificação a atos processuais. O valor cobrado da caução fica depois “congelado” numa conta bancária própria.

Como se calcula o valor da caução a aplicar aos mais ricos?

O Código de Processo Penal, no seu artigo 197 nº 3, indica os critérios para cálculo da caução. O juiz deve considerar, para cálculo da caução, “os fins a que se destina, a gravidade do crime imputado, o dano que este causou e a condição socioeconómica do arguido”.

  • Modos de pagamento da caução: com depósito, penhor, hipoteca, fiança ou fiança bancária.

Como se percebe, o juiz em análise do caso poderá fazer uma análise subjetiva do património do arguido, do dano causado e da necessidade de tornar o seu caso exemplar perante a sociedade. A caução é depois aplicada. Tudo é subjetivo na aplicação dessa caução.

Há consequências quando o arguido não paga a caução, ficando o seu património em causa. Além de que pode ficar sujeito a novas medidas preventivas no âmbito do processo criminal que tem em curso.

A caução em substituição da pena de prisão é justa?

Muitos dirão que não é justa, outros dirão que sim. A verdade é que os mais ricos têm capacidade financeira de sobra para pagar montantes elevados de caução, como vimos recentemente no caso Armando Vara ou de Joe Berardo. O pagamento de vários milhões de euros para a garantia de liberdade e continuação da atividade económica de sempre não é problema para muitos, pelo que isso poderá não soar a justifica.

Há a necessidade de apurar os montantes que não levantem dúvidas na opinião pública, já que que o cálculo da caução é subjetiva e resulta da análise da posição socioeconómica, patrimonial e de dolo do arguido. Ou seja, os muito ricos devem pagar muito dinheiro, mantendo-se esse critério de proporcionalidade também à população em geral.

No sentido de evitar a sobreocupação das prisões e de apostar na reinserção, as cauções são bem-vindas. Contundo, há ainda um grande trabalho a fazer no sentido de moralizar a sociedade relativamente aos grandes crimes económicos e à corrupção. Pelo que a caução pode não ser ainda o melhor instrumento para criar bons exemplos que levem à prevenção dos crimes de “colarinho branco”.

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