O novo corte de IRS anunciado pelo governo em funções de Luís Montenegro foi visto, numa primeira fase, como uma fonte de esperança. E que traria mais rendimento às famílias. Contudo, uma análise mais detalhada dos seus efeitos está já a desenhar um cenário bastante diferente. Em que os mais pobres permanecerão pobres, e os mais ricos terão uma folga extraordinária que descapitalizará o Estado e a sua capacidade para mobilizar apoios sociais.
Vamos dar voz a esse estudo e tentar perceber de que modo os novos cortes no IRS irão impactar a coesão social em Portugal.
Qual o efeito do corte do IRS de Montenegro
O que está previsto nas medidas fiscais de Montenegro é uma degradação do espírito progressivo do IRS, que previa contribuições mais elevadas a quem tem mais rendimentos. Agora, o esforço exigido a quem tem mais rendimentos poderá estar posto em causa. Ao diminuir essa pressão, poderá causar um efeito negativo não só na capitalização do Estado. Mas também na moralização de um sistema fiscal que se quer justo.
A generalidade dos partidos com assento parlamentar defendia que o corte no IRS era necessário. O problema era saber onde se cortava mais. Agora, os partidos ditos de oposição denunciam o governo de estar a privilegiar os escalões mais elevados em detrimento dos mais pobres. Entre os partidos estão toda a esquerda parlamentar, o Chega e o PAN.
Agora, o que vai ser debatido e o que é matéria de votação na Assembleia da República é o volume de cortes do IRS. Mas também a característica da progressividade do IRS que poderá estar posto em causa. O que é certo é que, se a principal medida eleitoral da AD quanto ao corte do IRS avançar, acaba-se com a progressividade. E iniciar-se-á um novo ciclo de fiscal de introdução de desigualdades a este nível.
O que diz o BdP sobre a introdução das novas medidas fiscais do governo AD?
O Banco de Portugal e o Centro de competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública (PlanAPP) desenvolveram estudos sobre o corte nos impostos para os cinco primeiros escalões de rendimento. Em resumo, o objetivo foi tentar perceber de que forma esta medida fiscal prevista no OE2024 impactava o aumento das desigualdades. E o que facto é que parece mesmo que irá beneficiar os rendimentos mais elevados e terá efeitos praticamente nulos nos mais baixos.
O Banco de Portugal já veio explicar que as alterações feitas ao IRS “beneficiam relativamente mais os indivíduos situados em decis de rendimento mais altos”. Isto, apesar de haver em média um aumento de cerca de 2% no rendimento disponível para as famílias.
O que significa na prática é que os rendimentos dos nono e décimo escalões, os mais altos, terão ganhos na ordem dos 2,4% e 2%, ao passo que os escalões do primeiro e segundo decis terão ganhos de 0,2% e 0,5%. Isto é um problema que está a tentar ser combatido pela oposição parlamentar ao governo, e que se irá levantar novamente na votação na especialidade.
Segundo o Banco de Portugal, e de acordo com o estudo que publicou, “o impacto da redução das taxas de imposto, o mais dominante em todos os decis de rendimento, é crescente ao longo da distribuição (até ao nono decil)”. Diz também que “embora o aumento do mínimo de existência beneficie mais os indivíduos que se encontram na primeira metade da distribuição, o seu efeito é bastante modesto comparado com os que são gerados pelas medidas sobre os escalões e as taxas de imposto”.
Qual o peso dos impostos sobre rendimentos no custo do trabalho?
Portugal está acima do meio da tabela dos países onde o esforço no pagamento de impostos é mais elevado, por comparação com o custo do trabalho, com 42,3%. No topo da tabela está a Bélgica, com um esforço de 52,7%, e na base está a Polónia, com 34,3%.
A ordem do peso de impostos no custo do trabalho, do país em que o peso é maior para o que é menor, é a seguinte:
- Bélgica – 52,7%.
- Alemanha – 47,9%.
- Áustria – 47,2%.
- França – 46,8%.
- Itália – 45,1%.
- Finlândia – 43,5%.
- Eslovénia – 43,4%.
- Portugal – 42,3%.
- Suécia – 42,1%.
- Eslováquia – 41,6%.
- Luxemburgo – 41,3%.
- Hungria – 41,2%.
- Letónia – 41,1%.
- Espanha – 40,2%.
- República Checa – 40,2%.
- Estónia – 39,4%.
- Lituânia – 38,9%.
- Grécia – 38,5%.
- Dinamarca – 36,4%.
- Países Baixos – 35,1%.
- Irlanda – 35,1%.
- Polónia – 34,3%.
Por que aumentam as desigualdades com o corte de impostos do OE2024?
Apesar de parecer contraintuitivo, já que o governo anunciou um corte de impostos generalizado, a verdade é que voltamos ao mesmo vício das políticas de direita que incrementam desigualdades. Isto devido a dois fatores:
- Os rendimentos mais baixos, até ao mínimo de existência, já estão isentos do pagamento de IRS. Por isso não beneficiam da redução das taxas marginais anunciadas para os vários escalões.
- Depois, os que ganham mais, beneficiam com a redução do IRS para os escalões mais baixos já que também para eles se aplica os cortes de impostos.
Assim sendo, e tendo em conta não só as evidências sobre os benefícios e isenções atualmente em vigor mas também as apreciações do Banco de Portugal sobre as novas medidas fiscais, conclui-se que as desigualdades vão aumentar. Resta saber se o rendimento disponível ao fim do mês será suficiente para justificar não só o incremento destas desigualdades mas também as dificuldades em recuperar e ganhar poder de compra.
Na sua proposta, o governo quer reforçar cortes nos cinco primeiros escalões de rendimentos, mas também avançar com cortes para os escalões mais elevados e que até agora não beneficiavam de descidas. Com os cortes nos sexto ao oitavo escalões, quem tem rendimentos mais elevados terá borlas fiscais que farão sentir com mais expressão do que quem aufere rendimentos mais baixos.
Como compara o IRS em Portugal com a média europeia?
Os estudos mais recentes sobre a carga fiscal aplicada em Portugal e nos restantes países europeus permite apurar que Portuga é mais progressivo do que a média, além de que tem menor peso na carga fiscal aplicada.
O Instituto Nacional de Estatísticas revelou que o peso dos impostos diretos (que inclui IRS e IRC) era de 29,6% em 2022, o que compara com os 34,3% da média da União Europeia. Por outro lado, os impostos indiretos (cujo IVA é a sua maior expressão) representam 41,9% da carga fiscal em Portugal, o que compara com os 33,2% da União Europeia.
Em relação às taxas médias de IRS, Portugal tem valores superiores às da média da EU. A OCDE mostra que as pessoas com salário médio têm um peso do IRS sobre os seus rendimentos de 17,6% em Portugal, contra 17,3% na EU. As pessoas com salário correspondente a 167% o salário médio têm um peso de 24,6% no IRS, contra 23,1% na UE.
O Banco de Portugal também revela um dado interessante: quando analisamos rendimentos baixos ou ao nível de um salário médio (que corresponde a 1270 euros em Portugal), a taxa de IRS aplicada em Portugal é inferior à média da zona euro. Com rendimentos acima do salário médio, a situação inverte-se.