Ninguém sabe ao certo para que quer a WorldCoin tirar fotografias da íris dos seus utilizadores, um dado biométrico importante para verificação de identidade unívoca. A verdade é que a WorldCoin tem vindo a investir fortemente nas suas equipas que vão para o terreno. E já estão há anos a fotografar as íris dos portugueses em troco de criptomoedas.
Agora, a Comissão Nacional de Proteção de Dados vem pedir a suspensão temporária da atividade da WorldCoin no nosso país, por três meses, antes de avaliar a legalidade da sua atividade. Dentro de três meses, quando a Comissão se pronunciar em definitivo, ficaremos a saber quão legal ou ilegítima é a WorldCoin.
A quem pertence a WorldCoin e para que serve?
A WorldCoin tem um projeto que soa aliciante à partida para os portugueses. Por isso, centenas de milhares já cederam consentimento para se deixaram fotografar. Ao espreitarem para um globo da WorldCoin, a sua íris é fotografada. Isso concede à empresa um dos dados biométricos mais unívocos e importantes que é possível recolher do corpo humano. A capacidade de identificação pela íris é de 100%, o que faz deste elemento superior mesmo à impressão digital.
Em troca das imagens da íris, a Worldcoin dá criptomoedas grátis aos seus utilizadores. E a afluência tem sido alta, com muitas pessoas a dirigirem-se a balcões em grandes gares como a do Oriente em Lisboa, ou dos barcos do Terreiro do Paço, para se deixarem fotografar. Mas quem detém a WorldCoin? A mesma empresa que se tornou famosa pelo ChatGPT, a OpenAI!
Isto faz-nos pensar que a WorldCoin pode estar a consolidar um projeto que terá a ver com inteligência artificial. E, como sabemos, esta área tecnológica depende fortemente da recolha de dados em massa. Só que ninguém percebe muito bem para que vão ser usados. E se os seus utilizadores poderão mesmo ter a sua identidade usurpada para fins ilegítimos.
O que decidiu Espanha sobre a WorldCoin?
A Agência Espanhola de Proteção de Dados já tomou a decisão de suspender a atividade da WorldCoin naquele país. Em Portugal, só desde 2023 é que a empresa está sob investigação, depois de anos de livre operação. Legalmente, a WorldCoin Foundation gere o arquivo de íris, que coloca uma barreira legal à responsabilidade da OpenAI sobre o funcionamento deste projeto.
Por cá, a CNPD já falou dos riscos de usurpação de identidade da WorldCoin, seguindo as pisadas da sua congénere espanhola. Mas só agora começou a agir legalmente, podendo regular ou mesmo suspender a sua atividade.
Para que quer a WorldCoin ler a íris dos seus utilizadores?
A íris é um dos dados biométricos mais importantes para a identificação de uma pessoa. A par deste elemento, só o reconhecimento facial, a impressão digital ou a sequenciação de ADN é que dão resultados fiáveis do ponto de vista da identificação inequívoca.
Em relação à Worldcoin, depois da recolha de imagens das íris nos balcões físicos (através do dispositivo a que chamam “orb”), gera-se um código único para aquele utilizador, que vai para uma base de dados. Com esse código, que é irrepetível, é possível comprovar que um utilizador é humano, não robô. E como o código também codifica informação biométrica, é inclusivamente possível reconstruir a íris irrepetível daquele utilizador num momento futuro.
Alguns cenários (um pouco distópicos) que a WorldCoin poderá colocar em prática num mundo dominado pela inteligência artificial:
- Criar avatares “humanizados” capazes de interagir com a web e com utilizadores reais como se fossem um humano real.
- Vender uma base de dados maciça e preciosa de dados biométricos a consultoras, hedge funds ou entidades com propósitos políticos, de forma a controlar e estudar segmentos da população.
- Fazer uma monitorização de escala global de utilizadores para propósitos securitários, políticos, comerciais e de marketing.
Estes vários cenários são meramente especulativos, mas ninguém sabe realmente – ao dia de hoje – para que quer a WorldCoin as íris dos seus utilizadores a troco de criptomoedas.
Como se processa a recolha de dados na WorldCoin?
Para ceder uma imagem da sua íris e receber tokens da WorldCoin em troca, é necessário descarregar a app do projeto para iOS ou Android. Depois de aceitar os Termos e Condições previstos e criar uma conta, o utilizador poderá ver na aplicação quais os balcões em funcionamento no país para recolha da íris. Deverá então dirigir-se a um desses locais, pedir a participação e depois ser-lhe-ão creditados tokens do projeto (chamados WLD).
Oficialmente, a WorldCoin é um pouco vaga na explicação da necessidade para a recolha das íris, dizendo que servem apenas para verificar a identidade dos utilizadores na app. E que os dados pessoais não são guardados em bases de dados da empresa. Porém, a Worldcoin também não é capaz de comprovar o funcionamento do seu sistema ou de dar garantias.
Quanto valem os tokens WLD de WorldCoin?
Os tokens WLD de WorldCoin estão sujeitos às variações normais de preços do mercado. Atinge neste momento máximos entre os 7€ e os 8€ por token, fruto do bom desempenho do Bitcoin neste primeiro trimestre do ano.
Assim, ao concederem a fotografia das suas íris, os utilizadores ganham gratuitamente 10 tokens WLD de WorldCoin. O que, ao preço de mercado, poderá significar cerca de 70 euros. Os WLD deverão ser vendidos numa exchange como a Binance por USDT. E só depois para Euros, de modo que a conversão em dinheiro real tenha sucesso.
Lembremo-nos contudo que Portugal já deu alguns passos no sentido de regular as criptomoedas e, por isso, é obrigatório declarar mais-valias ou menos-valias quando sejam vendidos tokens numa qualquer Exchange. A única exceção é quando mantenha os seus ativos em carteira por dois anos, justificando-se podendo então transferir o valor dos criptoativos para a conta bancária sem necessidade de pagar imposto.
Ainda não existem garantias sobre o valor das criptomoedas, e não há quadros legais que protejam os clientes em caso de manipulação de mercado, falsidade na criação dos criptoativos, ou outros problemas que poderão ocorrer com uma altcoin pouco capitalizada como a WorldCoin.
O que poderá fazer a WorldCoin com os dados biométricos?
Já aflorámos alguns dos possíveis problemas associados aos dados biométricos que a WorldCoin está a recolher. Mas que tipo de utilização fazem as empresas deste tipo de dados presentemente?
Os dados biométricos usam-se como uma chave de identificação pessoal, podendo substituir instrumentos como a “chave móvel digital” quando os sistemas o permitam. Por exemplo, a impressão digital e o rosto já são utilizados para desbloquear o telemóvel, e aqui a íris também poderia ser facilmente usada para acesso a dispositivos pessoais.
Assim, é fácil de prever o acesso a aplicações financeiras, aplicações do Estado, acesso a dados bancários e serviços de saúde, recorrendo simplesmente à íris.
Um dos grandes problemas tem também a ver com a fragilidade dos sistemas de segurança da WorldCoin. Se em algum momento houver um vazamento de dados que os façam circular entre agentes menos legítimos, qualquer utilizador da WorldCoin poderá ser identificado, procurado, roubado, e a vulnerabilidade passa a ser elevada já que os eventuais hackers terão na sua posse um elemento de identificação muito relevante.