Algumas empresas chinesas do setor dos veículos elétricos (VE) estão de tal forma competitivas que já forçam produtores da Europa e América a baixar seus preços. Em particular o carro elétrico da chinesa BYD, cujo modelo Seagull Hatchback está abaixo dos $10.000. E compete com um carro de gama média e até média-baixa.
Com ecrãs de navegação que fazem lembrar os Teslas, autonomia ao nível das marcas mais exigentes do mercado e preços incrivelmente baixos, poderemos estar a entrar na década da democratização VE. Porém, isso depende também da regulação e das políticas comerciais externas entre os blocos ocidentais e a China. O slogan da BYD é “Constrói os Teus Sonhos” – Será isso uma realidade para os consumidores ocidentais?
Preço dos carros no Ocidente e na China – Será que a abertura ao mercado chinês vai democratizar o acesso aos VE?
Se compararmos os dados médios do preço de veículos elétricos nos Estados Unidos e na China vemos cenários completamente díspares. Os dados são avançados pela Bloomberg e são bastante expressivos:
- O preço dos carros elétricos nos EUA tem vindo a aumentar progressivamente desde 2018 e até 2023. Ainda assim abrandando nos últimos anos numa média de $60.000 por veículo.
- Em sentido oposto, o preço dos carros elétricos tem vindo a ficar cada vez mais barato desde 2020 na China. Com o preço médio a rondar os $30.000.
O que é também impressionante é que começam a surgir modelos low cost que criaram efetivamente um mercado de gama média-baixa. E acessível a um grande número de investidores. Como referimos, o modelo Seagull Hatchback da chinesa BYD está-se a vender a um preço de $9.698. O valor está ao nível de qualquer veículo tradicional de gama média baixa em Portugal e na Europa.
Esta autêntica guerra de preços tem vindo a disparar a popularidade da BYD na China, onde a Tesla Inc. também está presente. E, em 2023, tornou-se mesmo a maior produtora de carros elétricos. Ultrapassou a Tesla, o que é um sinal claro de que os produtores chineses poderão ter capacidade de influenciar o mercado. E forçar os produtores na Europa e EUA a também baixarem preços.
Poderemos vir a ter modelos citadinos da Nissan, Tesla, BMW a preços tão competitivos como o Seagul Hatchback, que já é um caso de sucesso? É essa a expectativa, e poderá vir a ser realidade nos próximos anos.
Os desafios dos produtores automóveis americanos na China
Há não muito tempo, a Apple Inc. investiu $1 bilião em investigação para também começar a produzir carros elétricos. Mas tudo falhou e a indústria americana perdeu esta capacidade de iniciativa e de inovação de uma das suas principais empresas tecnológicas. Enquanto a América regista alguns falhanços deste nível, a China tem-se mostrado competente na conquista deste mercado.
Não é de desconsiderar que a China se tornou num centro global de outsourcing para a produção de bens europeus e americanos graças à mão de obra barata. O que significa que a indústria chinesa se tem vindo a especializar ao mesmo tempo que garante níveis de produtividade entre os mais elevados do mundo. Estes fatores podem ter contribuído para o desenvolvimento concentrado de uma indústria automóvel de VE chinesa. Que agora navega a onda da transição climática para afirmar – e tentar conquista – cota de mercado nos veículos elétricos.
As únicas medidas que as autoridades norte-americanas têm tomado para evitar a conquista dos consumidores ocidentais é a aplicação de tarifas. Além dos constrangimentos comerciais impostos à China, que os EUA entendem ser um adversário geopolítico de primeira importância.
Porém, o mercado chinês já representa 70% de todos os carros elétricos vendidos globalmente. E a capacidade que a China tem em baixar preços terá um efeito decisivo que terá necessariamente repercussões também a Ocidente. Isto é visto pelos analistas políticos como inevitável a longo prazo. Já que não é possível adiar indefinidamente a entrada dos produtos chineses na Europa e EUA.
A inovação, a produção barata, os incentivos estatais à compra de carros elétricos, são medidas fundamentais. E deverão começar a ganhar tração nos países ocidentais para impedir a conquista desta indústria por atores chineses.
Como estão a reagir os políticos americanos à expansão da indústria chinesa?
Vários CEOs do campo automóvel e políticos de Washington estão sintonizados na ideia de que a China representa um perigo à indústria americana. O medo é não só que a China conquiste cada vez mais cota de mercado. Mas que também lance no desemprego milhões de trabalhadores americanos, provocando um choque económico e social importante.
Uma das entidades lobistas norte-americanas deste setor é a Aliança para a Produção Americana. Representa sindicadores de trabalhadores mas também produtores automóveis. A esta entidade têm-se vindo a juntar outras para pedir novas medidas protecionistas contra a China de forma a evitar uma “extinção” do setor.
A Ford Motor Co., a Tesla e outros produtores automóveis estão a tentar ajustar-se a uma nova era de veículos elétricos mais baratos e atrativos para as classes médias. A questão é que a China compete com os EUA em inovação e em qualidade. Em suma, o modelo Seagull é reconhecido como bom e em linha com os padrões mais exigentes da indústria. Teme-se que, se a indústria norte-americana não tiver capacidade de resposta, poderá vir a perder 30% das suas receitas.
China explora também gamas altas para roubar clientes à Tesla
Se virmos o portfólio de automóveis que a chinesa BYD está a produzir, reparamos que a aposta não é só em carros low cost. Mas também nos de gama alta. O modelo Atto 3 é um SUV de linhas arredondas e de cinco passageiros, construído por recursos humanos especializados capturados à Audi e Lamborghini.
Este modelo da BYD tem um dashboard que faz lembrar os carros Tesla. Além disso, têm interiores luxuosos que parecem os materiais usados em cockpits de aviões privados. Mas também conta com uma série de funcionalidades de segurança com sensores de colisão, monitorização de ângulos mortos, alertas de tráfego intenso na estrada e travão automático de emergência. Este veículo, por exemplo, está a ser comercializado por $31.000, que é preço médio de um veículo elétrico nos EUA.
“Novo normal” global em preço e qualidade que o Ocidente não poderá ignorar
Os produtores de carros americanos temem por isso que a China defina um “novo normal” global em preço e qualidade que o Ocidente não poderá ignorar. E os carros chineses já começam a ser vistos em alguns mercados regionais a Ocidente, incluindo na Europa, no México, mas também no Médio Oriente onde o aumento de vendas tem sido assinalável.
A exportação é crucial para garantir os lucros dos produtores automóveis chineses, já que no seu mercado doméstico – e tendo em conta os custos de produção – dificilmente é possível alavancar lucros. Nos últimos três anos, a China consolidou-se como o maior exportador automóvel do mundo, com mais de 5.2 milhões de veículos exportados em 2023.
Os produtores automóveis chineses mais relevantes do momento são a BYD e a Zheijang Geely Holding Group Co., que estão a conseguir conquistar as preferências dos consumidores em veículos distintivos, confortáveis, baratos, seguros, e que seguem elevados padrões de qualidade na produção. Alguns destes modelos incorporam tecnologia avançada que poderíamos não esperar da indústria chinesa, como a capacidade de os carros estacionarem sozinhos, automaticamente.