Oportunidades e desafios relacionados à IA, equidade de gênero no setor de tecnologia e cuidados com a saúde mental dos empreendedores foram alguns dos insights do WebSummit 2023. Realizado neste mês, em Lisboa, o evento reuniu mais de 70 mil participantes, de 153 países. Selecionamos seis movimentos e tendências apresentados no festival, que reúne anualmente investidores, empreendedores e promissoras startups, de todo o mundo. Confira a seguir.
WebSummit em números
- 70 mil participantes
- 153 países representados
- 608 startups
- 906 investidores
- 300 parceiros
- 25 tracks de conteúdo
- 16 palcos
1 – IA como parceira de negócios
A contínua discussão sobre o impacto da inteligência artificial no trabalho das pessoas ganha novos contornos na medida em que essa tecnologia se populariza.
O tema foi alvo de mais de um debate no WebSummit 2023, com nomes de peso, como Meredith Whittaker, presidente da Signal e pesquisadora sobre o uso ético da IA.
Sempre com um afiado olhar crítico, Whittaker salientou o fato de que o problema, aqui, não é o risco de a tecnologia substituir profissionais humanos, mas a forma como é utilizada.
Segundo ela, o que precisa mudar é a maneira como os empregadores usam a IA como pretexto para degradar as condições de trabalho dos funcionários. Whittaker citou como exemplo a chamada gig economy, particularmente a Uber.
Ela e outros palestrantes salientaram a importância de perceber a inteligência artificial como uma parceira, mas não como uma entidade autônoma que vai tomar o lugar das pessoas.
“Precisamos tomar cuidado com alegações de que a IA é uma tecnologia mágica que vai substituir os trabalhadores, porque isso não existe”, afirmou Whittaker, no WebSummit 2023.
Similarmente, Albert Wenger, managing partner da Union Square Ventures, argumentou que a IA pode liberar os humanos de trabalho desnecessário, em vez de resultar em perdas de emprego.
Inovação x regulação
Nesse sentido, a discussão necessariamente envolve o uso ético da inteligência artificial e sua regulação. Por um lado, está claro que é necessário adotar alguns critérios para o uso dessa tecnologia, incluindo respeito à privacidade e aos direitos autorais, assim como combate à desinformação e ao preconceito.
Por outro lado, argumenta-se que a regulação, dependendo da forma como for feita, pode acabar limitando a criatividade e o uso da tecnologia em todo seu potencial.
“Sou do time da ‘inovação sem permissão'”, defendeu Andrew McAfee, pesquisador no MIT. De acordo com ele, isso significa menos regulação, mas não uma completa falta de algum tipo de monitoramento e supervisão.
Entre 100 mil concorrentes, a startup Inspira, do Brasil, foi a vencedora do Pitch 2023. O objetivo da Inspira é usar a tecnologia para democratizar informações legais. A empresa recorre à IA para reduzir custos e burocracias, facilitando o acesso a esse conteúdo. Dessa forma, pode beneficiar o sistema judiciário, advogados, empresas e pessoas físicas.
2 – Soluções de negócios sustentáveis
Não há dúvidas de que a emergência climática é um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. Nesse sentido, a tecnologia exerce um papel central.
Pelo aspecto negativo, o avanço da tecnologia têm gerado muitos danos ao meio ambiente. Pelo lado positivo, pode ajudar, e muito, a minimizar ou evitar colapsos climáticos.
A balança, portanto, precisa pender cada vez mais para o uso da tecnologia com foco em sustentabilidade. Como exemplo, Stephan Morais, cofundador do fundo de capital de risco Indico Capital Partners, citou a limpeza dos oceanos e a importância disso para a sobrevivência do planeta.
“Precisamos investir em soluções que nos ajudem a parar de esgotar os recursos dos oceanos”, defendeu Morais.
A inteligência artificial, em particular, pode ser uma grande aliada na preservação do meio ambiente e no combate à crise climática. “A IA pode abrir grandes possibilidades para a sustentabilidade”, afirmou Melanie Nakagawa, chief sustainability officer na Microsoft.
Como referência, Nakagawa citou soluções baseadas em IA que podem reduzir massivamente o desperdício de água. Ela também defendeu projetos de eletricidade carbon-free, que reduzem a emisão de CO2 e aumentam a eficiência – reduzindo, dessa forma, o impacto negativo que o próprio desenvolvimento da IA pode causar.
3. Mais equidade no ambiente tech
Não é de hoje que se critica a maior parcela de homens do que de mulheres no universo da tecnologia. Dados apresentados no festival mostram que as mulheres:
- representam menos de 30% dos profissionais do setor;
- apenas 20% ocupam cargos de gestão;
- só 10% são cofundadoras de negócios nese mercado.
Para que isso mude, é preciso proatividade e ações concretas em torno desse objetivo. Essa mobilização foi defendida por Clara Chappaz, diretora na La French Tech, que destacou o impacto positivo de mais equidade nesse ambiente.
“É uma questão de oportunidades e desempenho”, afirmou. Com issso, ela se referiu ao fato de que, entre os 14 milhões de profissionais de tecnologia no mundo, apenas 11 são mulheres.”Se metade da população global é subrepresentada, quem sabe quantas ideiass estão sendo desperdiçadas?”, questionou.
Em uma visão otimista para o futuro, Chappaz apontou como tendência, na França, o crescente número de fundos de investimento voltados para empresas fundadas por mulheres.
Na medida em que esse fundos abrem novos mercados, é inevitável que outros investidores sigam o exemplo. Dessa forma, o efeito cascata pode finalmente trazer ao setor de tecnologia a equidade de gênero de que esse ambiente tanto precisa.
4. Saúde mental como prioridade entre VCs
A comunidade de venture capital (VC) se acostumou a viver na pressão, e isso aumentou com recentes quedas no volume de investimentos. Em meio a esse período turbulento, cresce a demanda por apoio mental aos profissionais da área. E o entendimento de que isso é vital para o sucesso dos negócios.
“VC gira muito em torno da agilidade e da urgência de fechar negócios. Mas acredito que os investidores estão mais conscientes sobre o impacto negativo dessa cultura”, afirmou Vera Baker, sócia da Unconventional Ventures, durante o WebSummit 2023.
Ela deixou claro que é responsabilidade dos investidores tomar a frente e oferecer serviços como terapia, além de subsídios voltados para a saúde mental, promovendo o acesso de empreendedores a esses recursos.
Foi consenso no festival o dever do investidores no sentido de cuidar da saúde mental dos empreendedores que financiam. “Como investidores acionistas, se não nos responsabilizamo pelo bem-estar dos fundadores das empresas, não os veremos trazer seu melhor para os negócios”, argumentou Eileen Burbidge, diretora na Fertifa.
5. Democratização dos eSports
O segmento de Mobile Gaming se tornou o maior setor no mercado de eSports, devido ao avanço da conectividade via 5G e à popularização dos smartphones. Esse é, portanto, um mercado que deve estar na mira dos investidores no futuro próximo.
Craig Levine, co-CEO do grupo ESL Faceit, destacou que, entre os 3,2 bilhões de gamers no mundo, cerca de 80% jogam em dispositivos móveis. Segundo o executivo, isso se deve principalmente à maior sofisticação dos games, à maior gama de opções disponíveis, e a uma audiência mais diversa.
Um grande impulso nesse sentido é integração entre variadas plataformas, tendência cada vez mais forte, diante dos avanços da tecnologia. “Hoje se pode jogar em formatos de devices diferentes, mas integrados. É o caso, por exemplo, de um gamer de eSports jogando com alguém na tela de 31 polegadas de uma BMW”, destacou Don McGuire, CMO da Qualcomm.
6. Combate ao QAnon
O fenômeno QAnon consiste em um sistema descentralizado de teorias conspiratórias impulsionado pelo universo digital, e pode ser tão perigoso para os negócios, e a sociedade da maneira geral, quanto uma pandemia.
No WebSummit 2023, essa análise foi feita pelo jornalista e autor James Ball, que chamou atenção para a radicalização propagada pelo movimento. Segundo ele, apesar de ser “estúpido”, esse movimento não deve ir embora tão cedo e não deve ser subestimado.