Das lan houses de Franca, interior de São Paulo, para a linha de frente do entusiasmante mercado de desenvolvimento de jogos Web3. A trajetória de Jhoniker Bráulio é mesmo admirável.
Prestes a lançar a versão beta do seu jogo RIO-X – Raised in Oblivion, esse paulistano de 30 anos traz o repertório de quem começou com quase nada. E conquistou seu espaço driblando as adversidades.
Filho do meio de uma família de cinco, Jhoniker e o irmão Bannaker Bráulio trabalham no desenvolvimento desse FPS (jogo de tiro em primeira pessoa) desde 2017. Muitas águas rolaram desde então.
Antes de encontrar o primeiro investidor capitalista, os irmãos Bráulio conseguiram o primeiro lugar no Brasil Game Show de 2019 com uma versão demo do jogo. Essa versão, aliás, foi finalizada em uma maratona de 25 dias de trabalho dia e noite, literalmente.
Na época, a situação financeira da família era muito complicada. Tanto que Jhoniker teve medo de que a luz da casa fosse cortada por falta de pagamento bem no meio do processo. “Tínhamos oito contas de energia atrasadas”, recorda.
Rio de Janeiro pós-apocalíptico e integração com metaverso
De estética realista e com imagens de Rio de Janeiro pós-apocalíptico, RIO-X está agora em fase final de desenvolvimento. Jhoniker garante que vem aí um jogo divertido, intuitivo, com todos os requisitos para atrair gamers para a Web3.
Integração com metaverso, skins convertidos em tokens não-fungíveis (NFTs) e recompensas que podem ser trocadas por tokens RIOX são alguns dos atrativos de Raised in Oblivion. Nesta entrevista, Jhoniker conta mais sobre o projeto e ainda revela um pouco de suas estratégias como trader cripto.
Business 2 Community – Como foi a primeira oferta de NFTs de RIO-X?
Jhoniker Bráulio – Liberamos a venda dos NFTs no dia 10/03, no mesmo dia da falência do Silicon Valley Bank (SVB). Foi um momento muito ruim, quando a confiança do investidor ficou abalada. Precisamos baixar o supply de NFTs, mas optamos em não ampliar o prazo de oferta em respeito aos compradores das primeiras horas. Como consequência, a venda foi inferior ao que imaginávamos. Vendemos 254 NFTs, totalizando R$ 70 mil.
O que vocês pretendem fazer agora?
Faremos outra venda de NFTs, quando a utilidade das skins forem entregues. Trabalhamos agora na finalização da versão beta do jogo, que deve ser lançada em dois meses. Estamos na fase final de desenvolvimento. Trabalhamos em ferramentas de proteção, já que será um jogo gratuito, e o desenvolvimento dos mini objetos dentro do jogo.
Também fechamos uma parceria com a Epic Games (desenvolvedora e editora americana de jogos e softwares sediada na Carolina do Norte). A maior plataforma de venda de jogos vai disponibilizar RIO-X.
Como será a conexão entre jogos tradicionais e Web3?
Um dos pontos fortes do RIO-X é a conexão dos dois mercados: Web2 e Web3. Os jogadores podem acessar das duas formas. Na versão Web2, o usuário só precisa criar uma conta com endereço de e-mail e senha. O sistema gera uma carteira para o participante. Já na Web3, o jogador precisará conectar a carteira cripto MetaMask.
Como foi o processo de desenvolvimento de RIO-X?
Eu sou um gamer, então o processo de desenvolvimento de RIO-X foi todo feito em conjunto com a comunidade de jogadores. Cada detalhe foi pensado a partir do ponto de vista do jogador, inclusive aquele que não está habituado à Web3. O cadastro é simples e muito intuitivo, com pagamentos disponíveis por PIX.
“Diferente do formato muito comum em play-to-earn em que a jogabilidade fica em segundo plano. Em RIO, ganhar dinheiro é uma consequência. O que vale mesmo é apreciar o jogar.”
O jogador de Web2 precisará, em algum ponto do jogo, migrar para a Web3?
Sim. Chega um momento do jogo em que o gamer de Web2 precisa migrar para a Web3. Esse momento é quando ele decidir trocar a moeda corrente do jogo Rio Coin por tokens RIOX.
Toda vez que o jogador consegue moedas Rio Coin, ele precisa transportá-las para uma safe zone, que é um banco, e dali trocar por RIOX. Para trocar os tokens por dinheiro (fiduciário), ele precisará ter uma conta em bolsa, trocar por stablecoins e daí por real.
O que teve mais peso no processo de desenvolvimento do jogo?
A nossa preocupação no desenvolvimento desse jogo foi fazê-lo intuitivo e divertido. Diferente do formato muito comum em play-to-earn em que a jogabilidade fica em segundo plano. Em RIO-X, ganhar dinheiro é uma consequência. O que vale mesmo é apreciar o jogar.
Com isso, nos aproximamos dos jogadores do mercado tradicional. Eu sou cria de lan house, então sei do que estou falando. Depois do lançamento, nossa ideia é criar nossa própria corretora, para tornar possível a liquidação dos tokens dentro do portal.
Você acha que o mercado P2E já entendeu que é um erro focar mais no “earn” do que no “play”?
Sim. O mercado de play-to-earn já está enxergando isso. A Web3 tem uma característica de ser mais rápida em tudo do que a Web2. Se você não muda rapidamente na Web3, fica para trás. Existe um movimento de grande editoras e plataformas de jogos de dar mais espaço para empresas periféricas em desenvolvimento de games. Está claro que a tecnologia blockchain revolucionou o mercado de jogos.
Como a tecnologia blockchain revolucionou o mercado de jogos?
Cito dois importantes benefícios que a blockchain traz para esse mercado. Primeiro, em como bonificar o usuário. O pagamento de recompensas pode ser muito burocrático.
Com blockchain, você usa o token, pode transferir para qualquer lugar do mundo com rapidez e segurança. Agora imagina fazer isso por transferência bancária! O sistema seria tão complexo que você provavelmente precisaria de um outro CNPJ. Além disso, o custo de transferência seria altíssimo, impraticável mesmo e pouco eficiente.
O segundo ponto é o game play. A tecnologia blockchain deu novo formato ao CS:GO (Counter-Strike: Global Offensive). Skin é um download gráfico. No caso de RIO-X, são as armas utilizadas nos combates. Antes da blockchain, você podia acabar perdendo esses skins ao tentar negociá-los em mercados clandestinos.
Hoje, você pode negociar em plataformas especializadas como OpenSea. Você converte skins em NFTs, faz conexões com outros jogos, utiliza skins de terceiros no metaverso, vende e compra skins com muito mais liberdade.
“O Brasil é um dos países com maior número de gamers, mas não é ouvido pelas plataformas especializadas.”
Você já tinha desenvolvido um jogo antes de RIO?
Nunca fiz algo parecido. Sou um gamer e sempre percebi que a parte mais difícil é se conectar com empresas desenvolvedoras de jogos. O Brasil é um dos países com maior número de gamers, mas não é ouvido pelas plataformas especializadas.
Tenho ao meu lado o meu irmão (Bannaker Bráulio), de quem partiu a ideia inicial do jogo, e agora dois sócios investidores. Todo o processo de construção do jogo sempre foi e continua sendo feito com a comunidade de gamers.
Como foi sua trajetória até se tornar um desenvolvedor de jogos Web3?
Venho de uma família de vida financeira muito difícil, tenho cinco irmãos, mas sempre tive o apoio dos meus pais. Mas, claro, eles também levaram um tempo para entender que o videogame podia ser a minha profissão.
Comecei a trabalhar com 11 anos como ourives, em uma empresa de conserto de peças de ouro que ficava perto da minha casa. Depois, trabalhei como serralheiro.
Sempre joguei futebol por lazer, mas aos 15 anos fui selecionado e comecei a jogar no Paraná Clube. Mas aí, por uma questão de saúde, tive que parar de jogar futebol e voltei a trabalhar na serralharia.
Trabalhei cinco anos como serralheiro, já estava acostumado à ideia de me aposentar nessa profissão, mas sempre fui curioso e comecei a pensar se podia ir além.
Lembro que eu começava a trabalhar bem cedo de manhã e eu via as pessoas saindo da academia de ginástica às nove, ou fazendo um lanche às três da tarde. Eu pensava: no que essas pessoas trabalham?
Foi quando comecei a frequentar lan house. Fazia pesquisas na internet sobre “como ficar milionário”.
E como teve acesso ao mercado cripto?
Foi na lan house que comecei a pesquisar sobre criptomoedas. Sempre gostei de acreditar no que as pessoas não acreditavam. Deixei o emprego na serralharia e fui trabalhar de garçom na Cascata Pizza.
Era de domingo a domingo, sem férias ou feriado, mas eu começava a trabalhar só às 16h. Planejei ficar nesse emprego por um ano.
A pizzaria fechava à meia noite, mas até limpar tudo, eu só chegava em casa quase duas da manhã. No outro dia acordava cedo e trabalhava fazendo recaptcha de sites, carregando as páginas a cada cinco minutos.
Era remunerado com Dogecoins pelo serviço. Lembro que, na época, o valor do DOGE tinha oito zeros depois da vírgula. Cheguei a juntar 40 mil Dogecoins, mas liquidei tudo antes do boom de valorização. Se tivesse guardado mais tempo, teria ficado rico com isso.
E a ideia de desenvolver um jogo?
Nessa época, procurei cursos online sobre desenvolvimento de games. Há sete anos, eu e meu irmão nos juntamos nesse projeto. Ele é bom em desenvolvimento e eu não tenho medo de tentar. Para mim, pior que mal feito é não fazer. Aí encontrei meu primeiro investidor no Facebook.
Esse investidor topou bancar todo desenvolvimento do projeto?
Meu primeiro investidor gostou bastante do projeto, mas condicionou seu apoio à nossa participação no BGS (Brasil Game Show). Faltavam menos de 30 dias para a convenção e ele disse que nos financiaria se nosso game ficasse ao menos entre os dez melhores do BGS.
Eu e meu irmão passamos 25 dias trabalhando dia e noite para finalizar uma versão demo que apresentamos na BGS. Levamos algo muito intuitivo. Era uma jogatina de um contra outro e oferecemos uma medalha aos que ganhavam. Formou-se uma longa fila para jogar. No final, ganhamos o primeiro lugar da BGS. Isso foi em 2019.
Lembro que estávamos com problemas financeiros gravíssimos em casa. Oito contas de luz atrasadas, quatro contas de água em aberto e três alugueis atrasados.
Cheguei para o meu investidor e disse: olha, antes de qualquer coisa, preciso que você ajude lá em casa. A resposta foi: “manda a conta e já considere tudo pago”.
“Desenvolvimento de game é algo complexo. Nunca quisemos fazer um jogo que parecesse mais um caça-níquel.”
O jogo vencedor da BGS é o RIO-X?
RIO-X é esse mesmo jogo que venceu a BGS em 2019 só que reformulado, aperfeiçoado em muitos aspectos e bem mais atualizado. No meio do caminho, encontramos vários problemas. Desenvolvimento de game é algo complexo. Nunca quisemos fazer um jogo que parecesse mais um caça-níquel.
RIO-X é um jogo gratuito. A renda virá da venda de produtos e de merchandising dentro do jogo. Vamos disponibilizar locais no metaverso para empresas, como outdoors e até lojas.
Por que o Rio de Janeiro como cenário do jogo?
Sou de Franca, interior de São Paulo. A escolha do Rio de Janeiro como cenário fez parte da estratégia de aumentar a abrangência do jogo. Todo mundo conhece ou já ouviu falar sobre o Rio. E quem mora ou conhece o Rio de Janeiro, se identifica com o ambiente porque optamos por uma visão muito realista.
A história por trás do jogo é de uma infecção que começou no Morro do Vidigal e já se expandiu pela Rocinha. Detalhe: todo esse roteiro foi pensado antes da pandemia de Covid-19.
E como começou sua experiência como trader cripto?
Sempre gostei e ainda gosto de fazer trading de criptomoedas. Em uma das minhas primeiras incursões, investi R$ 300 em PRI Coin e, em oito meses, vendi por R$ 15 mil. Minha estratégia foi simples.
Pensei: se eu colocar R$ 100 em Bitcoin e a criptomoeda valorizar 100%, terei R$ 200. As moedas mais caras te dão estabilidade, mas dificilmente terão uma valorização estratosférica como as pequenas.
Claro, também há mais risco. Eu procurava as criptomoedas listadas na CoinMarketCap com no mínimo quatro zeros depois da vírgula.
Então, estudava os projetos, escolhia as que me pareciam mais promissoras e ia nas bolsas cripto. Comprei 250 milhões de tokens PRI e ele bombou. Claro, comprei outras cripto que não bombaram, mas as perdas não superaram os ganhos que tive. Ainda hoje faço day trading.