Após o sucesso do Pix, sistema de pagamentos amplamente adotado pela população, o Banco Central do Brasil (BC) prevê o surgimento de novas ferramentas no mercado financeiro até meados de 2025: os chamados “Superapps” financeiros.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, revelou essa tendência, que consiste em super aplicativos agregando informações de bancos sob a regulamentação do Banco Central.
Esses aplicativos permitirão que os usuários centralizem todas as suas operações financeiras em um único programa. Isso eliminaria a necessidade de utilizar diversos apps de instituições financeiras separadamente.
Campos Neto relaciona esse desenvolvimento à nova fase do Open Finance, um conjunto de regras para o compartilhamento e uso de informações financeiras de clientes entre instituições.
Nas últimas semanas, ele reiterou sua visão sobre o futuro das finanças no Brasil: plataformas unificadas que integrarão serviços financeiros diversos de diferentes provedores.
Como os superapps vão funcionar e qual o objetivo deles?
Os superapps funcionarão como agregadores, onde os usuários poderão visualizar e movimentar contas de diferentes bancos. O objetivo é simplificar a vida dos clientes e estimular a concorrência no setor bancário, uma das metas da Agenda BC#.
Ingrid Barth, presidente da ABStartups, vê esse movimento alinhado com a agenda do Open Finance no Brasil. Ela destaca que o Open Finance tem como pilares democratizar o acesso a serviços financeiros, facilitar o acesso ao crédito e aprimorar a experiência do usuário com esses serviços.
Ela afirma que essas plataformas integradas representam uma evolução natural nesse contexto.
Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), também concorda que a unificação de informações de diferentes plataformas em um único aplicativo é possível graças ao progresso do open finance.
Segundo ele, o open finance é a principal força por trás dessa inovação, permitindo a livre circulação de dados entre instituições financeiras e viabilizando tais inovações.
Quais os benefícios e quem irá fornecer os superapps?
Como dito anteriormente, os superapps surgem como uma solução para mostrar os benefícios do Open Finance e simplificar a experiência dos usuários.
Eles permitem que um cliente acesse uma única plataforma para consultar os saldos de suas contas correntes e investimentos em diferentes bancos e fintechs.
Como Ingrid explica, isso elimina a necessidade de abrir múltiplos aplicativos para verificar cada conta.
Exemplo real
Por exemplo, um usuário pode transferir dinheiro do banco A para o banco B para realizar um investimento.
Ao mesmo tempo, paga a parcela de um financiamento imobiliário na fintech C e compra dólares para uma viagem internacional. Além disso, ele visualiza as cotações em outras instituições financeiras, tudo através de um único aplicativo.
Essa centralização não apenas facilita a vida do usuário, mas também permite comparar mais facilmente as taxas oferecidas por diferentes instituições. Com uma concorrência mais transparente, espera-se que os clientes consigam taxas melhores.
Quanto à oferta do superapp, espera-se que venha de empresas de serviços financeiros e tecnologia, e não do próprio Banco Central.
Ingrid esclarece que o papel do BC é fornecer a infraestrutura necessária, como ocorreu com o PIX. O BC planeja disponibilizar a infraestrutura para que as empresas possam criar plataformas de marketplace de serviços financeiros.
Segundo especialista, os superapps são mais um ambiente do que um app em si
Leandro Benincá, professor de finanças e investimentos, esclarece que o mercado ainda carece de informações detalhadas sobre os futuros superapps.
Ele menciona que o Banco Central trabalha há tempos na digitalização do dinheiro. Além disso, ele sugere que a ideia por trás dos superapps é mais um ambiente integrado do que um aplicativo isolado.
Benincá enfatiza que os desenvolvedores do mercado terão a tarefa de trabalhar nessa solução, alinhada ao Pix, um recurso sem aplicativo próprio que cada banco implementa em suas plataformas.
Ele destaca que, segundo declarações de Campos Neto, haverá uma convergência entre Pix, Open Finance e real digital.
O especialista salienta a positividade dessa medida para os clientes, principalmente para aqueles com menor conhecimento financeiro, que passarão a depender menos dos bancos.
Ele ressalta que essa menor dependência é benéfica, considerando que historicamente contribuiu para altas taxas bancárias.
Superapps podem diminuir as receitas dos bancos
Contudo, Benincá também aponta um ceticismo quanto ao uso das informações coletadas. Sobretudo, ele alerta para os riscos de um governo autoritário possuir grandes volumes de dados pessoais, que podem levar a medidas de coerção ligadas ao dinheiro.
Sobre o impacto nos bancos, ele observa que uma solução como essa, assim como ocorreu com o Pix, afeta as operações bancárias. Esse cenários eliminaria uma importante fonte de receita das instituições financeiras: as taxas em movimentações bancárias.
Por fim, Benincá menciona que, apesar de um levantamento do BC indicar que 82% da população brasileira, ou 190 milhões de pessoas, têm conta corrente, o brasileiro não é considerado amplamente bancarizado e muitos não possuem instrução financeira adequada.
Experiência do usuário é um fator crucial no sucesso dos superapps
Andrei Rosseti, diretor de tecnologia na Face Digital (CTO), enfatiza a importância da experiência do usuário (UX) para conquistar e manter clientes.
Ele observa que o aumento no uso de smartphones e o acesso à internet mudaram as expectativas dos clientes. Agora, eles valorizam a conveniência e o acesso rápido aos serviços financeiros.
Rosseti destaca a necessidade de uma UX bem elaborada, não apenas para atrair novos clientes, mas também para manter os atuais.
Ele ressalta que integrar práticas centradas no cliente, visando melhorar o Lifetime Value (LTV) – a receita média estimada que um consumidor gera durante sua vida como cliente – é um diferencial importante no cenário digital em constante evolução.
O especialista salienta a importância de oferecer plataformas modernas e de fácil acesso. Segundo ele, mesmo que um produto financeiro seja de alta qualidade, uma plataforma não intuitiva e ineficiente pode levar os clientes à frustração e à busca por alternativas mais acessíveis.
Rosseti aponta que o cliente tem o poder de escolha literalmente na palma da mão e já é capaz de tomar decisões informadas.
Ele afirma que essa mudança obriga os bancos a saírem da zona de conforto, oferecendo serviços financeiros de qualidade e com preços competitivos. Para Rosseti, esse desafio pode levar a mais inovação e a uma melhoria geral na qualidade dos serviços financeiros.
Fases que compõem o projeto
A implementação do compartilhamento de dados no sistema financeiro brasileiro tem relação direta com o Open Finance e se desenvolveu em quatro fases distintas.
- Na Fase 1, os bancos iniciaram o compartilhamento de informações institucionais, abrangendo canais de atendimento, produtos e serviços, além de taxas e tarifas associadas a cada item oferecido.
- Na Fase 2, os clientes bancarizados no Brasil ganharam a capacidade de compartilhar seus próprios dados com as instituições financeiras. Nesta etapa, eles podem escolher quais informações desejam disponibilizar.
- A Fase 3 trouxe uma experiência diferenciada para os clientes no uso de aplicativos e sites financeiros. Nesta fase, eles conseguem acessar serviços sem a necessidade de abrir o aplicativo de sua conta bancária.
- A Fase 4 expandiu ainda mais o alcance do compartilhamento de dados, permitindo a troca de informações cadastrais e transacionais, além de dados sobre outros produtos, como seguros, investimentos e operações de câmbio.
Para Campos Neto e sua equipe técnica, esta tendência de compartilhamento de dados é irreversível, especialmente considerando a crescente digitalização de produtos e serviços em vários segmentos, incluindo o mercado financeiro.
A expectativa é que os gastos do setor bancário com tecnologia alcancem R$ 45,1 bilhões em 2023. Isso seria um aumento de 29% em comparação com o mesmo período de 2022 e um salto impressionante de 128% em relação a 2018, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
O que seria de fato o Open Finance?
O Open Finance representa um avanço significativo no setor financeiro, simplificando o intercâmbio de dados e serviços entre diversas instituições, incluindo bancos, corretoras e cooperativas.
Seu principal objetivo é possibilitar que os clientes transfiram seu histórico de crédito para diferentes instituições financeiras, visando obter condições mais vantajosas no mercado.
Diego Perez explica: “Imagine ter uma conta em um banco por 30 anos. Esse banco conhece profundamente seus hábitos de consumo, seus investimentos e seu histórico como bom pagador. Todos os serviços financeiros se baseiam em perfis de risco, e quanto mais uma instituição souber sobre um cliente, melhor será sua análise de risco e, consequentemente, mais atrativas podem ser as taxas oferecidas”.
Ele adiciona: “Se o banco A, por alguma razão comercial, recusar um empréstimo no momento em que preciso, posso levar meu histórico para outra instituição, que pode me oferecer uma taxa mais favorável”.
Essa flexibilidade foi possibilitada pelo open finance, que, além de exigir que as instituições financeiras compartilhem dados a pedido do cliente, assegura que essas informações sejam transferidas de forma compreensível.
Perez enfatiza: “É crucial entender que o open finance não significa que seus dados estarão disponíveis para todos, mas somente para a instituição financeira escolhida por você e por um período específico”