Retrospectiva 2023 da economia brasileira
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Com troca de governo, reformas domésticas e desafios no cenário internacional, a economia brasileira teve um 2023 intenso. O mercado financeiro terminará o ano mais otimista do que estava em janeiro, a renda e o emprego também cresceram. No entanto, muitos temas permaneceram em aberto.

Ao longo dos meses, algumas notícias e mudanças importantes dominaram as discussões. Nesta retrospectiva de 2023, vamos rever os temas que marcaram o ano e influenciaram os rumos da economia brasileira.

Ano novo, governo novo

Na área econômica, 2023 teve início antes mesmo de começar. Afinal, com a vitória nas eleições de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já começou a montar seu gabinete de ministros. Isso incluiu a definição de Fernando Haddad como ministro da Fazenda e a escolha de Simone Tebet para a pasta do Planejamento.

A nova equipe econômica iniciou 2023 sob desconfiança de boa parte do mercado financeiro. Afinal, com um projeto mais à esquerda que o do ex-presidente Jair Bolsonaro, precisou de equilibrar entre o discurso de mudança e a promessa de estabilidade.

Haddad foi bem-sucedido na negociação do orçamento para 2023, mas ainda havia dúvidas sobre o que seria feito do ponto de vista fiscal. O mercado nutria desconfiança em relação à proposta de um novo arcabouço fiscal e ao projeto de reforma tributária que o governo prometia destravar durante o ano.

Na última pesquisa Focus de 2022, as estimativas do mercado apontavam para um aumento de 0,80% no PIB em 2023. Também era previsto um crescimento de 5,31% na inflação ao fim do ano pelo IPCA. Por fim, previa-se que a Taxa Selic encerraria 2023 a 12,25%. Como veremos, o desempenho da economia brasileira acabou sendo bem melhor.

Último boletim Focus de 2022 previa PIB baixo e inflação alta em 2023
Último boletim Focus de 2022 previa PIB baixo e inflação alta em 2023

O Caso das Americanas

Logo no início do ano, uma notícia pegou o mercado de surpresa: a revelação de inconsistências contábeis na ordem de R$20 bilhões na Americanas. Além disso, o Fato Relevante do dia 11 de janeiro anunciou as renúncias do CEO Sergio Rial e do CFO André Covre.

Os principais acionistas da empresa, Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, também eram os três homens mais ricos do Brasil na época. Desde então, a Americanas tem buscado negociar um plano de recuperação judicial com seus credores, que incluem algumas das principais instituições financeiras do país.

Apesar das especificidades desse caso, a Americanas não foi a única empresa grande do varejo nacional a entrar em crise em 2023. Marisa, Renner, Magazine Luiza e Casas Bahia, entre outros grupos importantes, sofreram quedas expressivas na bolsa no primeiro semestre do ano. Em grande parte, isso se deveu à queda do consumo e ao movimento de alta dos juros que já vinha de anos anteriores.

A batalha da Selic

Ao longo de 2023, a definição da Selic colocou em lados opostos a equipe econômica do governo e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O próprio presidente Lula expôs sua insatisfação com a taxa de juros elevada.

Em sua primeira entrevista após a posse, em 18 de janeiro, o chefe do executivo qualificou como “bobagem” a independência do Banco Central. Também criticou o regime de metas de inflação e o nível da Selic. As críticas continuaram ao longo do ano, mesmo após as primeiras descidas da taxa de juros.

As declarações de Lula e de outros membros do governo não comoveram, em princípio, Campos Neto e seus defensores mais ferrenhos. No entanto, à medida que a indústria e o varejo patinavam, líderes de diferentes setores econômicos passaram a fazer coro às críticas contra o chefe do Banco Central.

Apesar das críticas, os juros só começaram a baixar no início de agosto, após completarem um ano a 13,75%. Também fazia três anos que não havia uma redução da Selic até essa data. Portanto, mesmo que tenha havido outras três reduções desde então, o Brasil fechará 2023 com uma das maiores taxas de juros reais do mundo.

Cenário externo desanimador

Ao longo de 2023, a economia brasileira sofreu as consequências da desaceleração da economia mundial. Diversos fatores contribuíram, em conjunto, para esse cenário:

  • Guerra comercial entre os EUA e a China
  • Desorganização produtiva e fiscal provocada pela pandemia de Covid-19
  • Crise logística com a retomada das economias após a pandemia
  • Conflito entre a Rússia e a Ucrânia
  • Persistência da inflação e elevação dos juros nos EUA e na União Europeia
  • Desaceleração da economia chinesa

Não surpreende, portanto, que um relatório divulgado pela ONU em outubro aponte para uma recessão mundial em 2023. Por enquanto, é uma projeção, uma vez que o ano ainda não terminou e os dados do último trimestre não foram revelados. No entanto, a perspectiva não é nada boa.

Os EUA tentam evitar a concorrência chinesa para proteger postos de trabalho e a liderança tecnológica em diversos setores. Mas não são o único país desenvolvido a seguir esse caminho. O acordo entre o Mercosul e a União Europeia, por exemplo, não saiu do papel ao longo de 2023 devido ao protecionismo da França e de outras economias.

Nos últimos anos, também houve uma crise na produção e na distribuição provocada pela pandemia. Além disso, os países mais ricos elevaram seus gastos para enfrentar a crise sanitária e a queda do nível de renda. E a guerra na Ucrânia consumiu ainda mais recursos da Europa e dos EUA. Por isso, a inflação subiu — e as taxas de juros também.

Esse cenário impediu a abertura de mais mercados e o aumento de investimentos estrangeiros no Brasil ao longo de 2023. Também manteve muitos preços elevados no país.

Políticas públicas elevam renda

O novo governo iniciou o ano pressionado por um cenário externo desfavorável, mas também pelo rombo fiscal provocado por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2022. Com a queda lenta da inflação e dos juros, sua arrecadação também caiu ao longo do ano.

Mesmo assim, o governo adotou algumas medidas importantes para elevar a renda da população durante o ano. Entre as políticas colocadas em prática ainda no primeiro semestre, destacam-se:

  • Valorização do salário mínimo acima da inflação
  • Aumento dos salários do funcionalismo público
  • Aumento dos valores de bolsas de pós-graduação
  • Benefícios extras no Bolsa Família
  • Programa Desenrola para renegociação de dívidas

Essas políticas ajudaram a manter a economia funcionando em um contexto complicado. O setor de serviços, em grande parte informal, também foi resiliente e ajudou a manter o desemprego em um nível mais baixo.

Agro em alta, sustentabilidade em xeque

O agronegócio também teve um papel importante na economia brasileira ao longo do ano. Principalmente no primeiro semestre, com a safra recorde da soja, o setor manteve as exportações em alta e foi decisivo para o bom desempenho comercial.

Com o crescimento da importância do agro, Lula tem dificuldades para avançar sua agenda de sustentabilidade. O governo anunciou o Plano Safra 2023/2024, em junho, com um valor 27% maior em relação à edição anterior. No entanto, o setor critica a atuação dos órgãos ambientais e tenta impedir as demarcações de terras indígenas.

Um conflito parecido ocorre no setor de energia. Por um lado, o governo tenta emplacar um projeto sustentável para o setor. Por outro, flerta com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, por meio das Petrobras. Em maio, o Ibama negou uma licença para perfuração na região pela empresa.

Alheio a essas contradições, ao longo de 2023, Haddad vendeu seu projeto de uma economia verde em diversos eventos e na imprensa internacional.

O novo arcabouço fiscal

No final de agosto, foi aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidência o Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar 200/2023). O novo regime foi a primeira grande vitória do governo Lula no Congresso, após longos meses de negociação e a consolidação de uma base frágil na casa.

O novo regime fiscal substituiu o antigo teto de gastos, que havia sido criado durante o governo Temer. Durante o governo Bolsonaro, o teto havia sido “furado” para o pagamento de emendas e benefícios sociais em meio à campanha presidencial. Portanto, já se discutia o seu real papel enquanto âncora de gastos.

O arcabouço fiscal aprovado em agosto utiliza uma fórmula mais complexa que a anterior. Afinal, estabelece uma banda para a meta fiscal com base no crescimento real da economia no ano anterior. Portanto, quando o país cresce, o governo pode elevar a previsão de gastos, e vice-versa.

Promulgação da Reforma Tributária no Congresso
Promulgação da Reforma Tributária no Congresso (fonte: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

Reforma tributária finalmente aprovada

Após a aprovação de um novo regime fiscal, a Reforma Tributária passou a ser o foco do governo federal. Ao longo do segundo semestre, Fernando Haddad se dedicou a negociar com as principais lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado a aprovação do projeto. Também contou com o apoio dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

Com a promulgação da reforma no dia 20 de dezembro, o governo terminou o ano com mais uma marca positiva importante. No entanto, o efeito a longo prazo será mais expressivo. Afinal, o novo modelo prevê a unificação e simplificação de impostos. A transição para esse sistema ocorrerá aos poucos, com início em 2026 e conclusão prevista para 2033.

Notícias positivas no fim do ano

Após um primeiro ano de governo atribulado em diversas frentes, Lula colheu resultados positivos na área econômica. Uma série de dados divulgados em dezembro apontou para um desempenho melhor da economia do que se esperava no início de 2023.

No dia 5 de dezembro, o IBGE divulgou dados que apontavam para uma alta do PIB de 0,1% no terceiro trimestre. Não parece muito, mas os analistas esperavam uma leve queda. Então, o resultado surpreendeu. Além disso, esse desempenho consolidou a previsão de PIB de 3% em 2023. Nem o governo contava com isso antes do começo do ano.

O cenário externo também colaborou para uma melhora do humor na economia brasileira. Nos EUA, o Federal Reserve (FED) manteve os juros inalterados pela terceira reunião consecutiva, no dia 13 de dezembro. Também sinalizou que pode estar mais próxima uma queda da taxa. Com a perspectiva de que os “treasuries” se tornem menos rentáveis no curto prazo, muitos investidores começam a procurar alternativas.

A aprovação da reforma tributária acabou sendo uma sinalização importante para esses investidores. Aliás, a S&P também se comoveu e elevou a nota de crédito do Brasil pela primeira vez em 12 anos, no dia 19 de dezembro.

Um dos efeitos dessa série de notícias positivas foi a alta histórica da Bolsa de Valores de São Paulo. A B3 também atingiu seu nível máximo no dia 19 de dezembro, ultrapassando os 132 mil pontos. Portanto, a tendência é que o otimismo se mantenha na virada do ano.

Desafios para a economia brasileira em 2024

Apesar do desempenho melhor que o esperado em 2023, a economia brasileira deve encarar diversos desafios em 2024.

O mercado prevê uma desaceleração do crescimento do PIB já a partir do último trimestre de 2023. Isso tem ocorrido, em grande medida, devido à baixa taxa de investimento privado, que ficou clara no último relatório do IBGE. Segundo os analistas, isso é reflexo do patamar elevado da Selic, que desestimula inversões no setor produtivo.

A desconfiança em relação aos gastos do governo também permanece. Afinal, mesmo com a aprovação de uma meta de déficit zero em 2024, o sentimento geral do mercado é de que dificilmente ela será cumprida. Aliás, o governo pode alterar a meta no próximo semestre, em negociação com o Congresso. Com o investimento privado em baixa, há um incentivo forte para um aumento dos gastos públicos.

Há muita expectativa em relação ao cenário externo, principalmente devido ao patamar elevado dos juros nos EUA e na Europa. Mesmo que o FED e o Banco Central Europeu vislumbrem uma queda da inflação e baixem as taxas, pode demorar para que os efeitos sejam sentidos no Brasil e em outros mercados. Além disso, a desaceleração da China e o choque fiscal de Milei na Argentina podem impactar a economia brasileira.