Arthur Lira
Presidente da Câmara pode influenciar andamento da pauta econômica (crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

A abertura do ano legislativo na Câmara dos Deputados foi mais tensa do que o habitual na segunda-feira (5/2). Afinal, o presidente da casa, Arthur Lira, proferiu um discurso mais inflamado do que o normal, reunindo críticas ao poder executivo. Com isso, gerou rumores sobre os efeitos dessa queda de braça sobre a pauta econômica do governo.

Nos bastidores, até mesmo alguns aliados de Lira criticaram o tom da sua fala. No entanto, a insatisfação de grande parte da base aliada com o governo federal é uma realidade. E tem como pano de fundo o descontentamento com a forma como a gestão Lula tem tratado a liberação das emendas dos deputados.

Apesar disso, a expectativa é de que uma eventual crise entre os dois poderes não tenha um impacto forte sobre o andamento da pauta econômica do governo no Congresso. E por que isso?

Em seguida, contamos mais sobre a repercussão do discurso de Lira e explicamos quais projetos de interesse do executivo devem entrar em votação ainda este ano. Além disso, trazemos os primeiros prognósticos para a sucessão na presidência da Câmara dos Deputados — que ocorrerá ainda este ano.

Veto a emendas provocou reação de Lira

A abertura do Ano Legislativo prometia fortes emoções após Lula vetar R$5,6 bilhões em emendas dos deputados. Esse foi o único veto do presidente quando sancionou a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, no dia 22 de janeiro. A lei foi publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União (DOU).

O Congresso Nacional havia aprovado o texto no fim de 2023. Além de estimar receitas, a LOA fixa as despesas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União para o exercício financeiro do ano seguinte.

O Executivo não concordou com o valor de R$16,7 bilhões para as chamadas emendas parlamentares de comissão. Por isso, reduziu o valor para R$11,1 bilhões. Aliás, esse já é um valor maior que o do ano anterior (R$7,5 bilhões). No entanto, não foi suficiente para evitar a contrariedade dos deputados.

O veto é mais um capítulo da delicada relação entre o governo Lula e sua base frágil no Congresso. Afinal, mesmo abrigando políticos de diversos partidos (incluindo siglas de oposição) em seu quadro de ministros, o presidente tem dificuldades para manter a união em boa parte das votações.

A principal exceção, no caso, tem sido justamente a pauta econômica. No entanto, isso se deve em parte a uma maior sinergia nas posições do ministro Fernando Haddad, de Arthur Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Além disso, a liberação de emendas tem ajudado a azeitar as engrenagens do Congresso em votações relevantes.

O discurso de Lira

Desde o veto de Lula a parte das emendas dos deputados, crescia a incerteza sobre a reação que Arthur Lira teria. Afinal, o presidente da Câmara tem atuado como um líder das reivindicações dos parlamentares. Além disso, ele próprio tem benefícios com as emendas, boa parte delas destinadas à sua base eleitoral em Alagoas.

Inicialmente, especulou-se que Lira anteciparia a volta de suas férias para tratar do tema. Isso acabou não acontecendo. No entanto, talvez para retomar com força o assunto, ele fez um discurso com mensagens duras para o governo.

Após abrir seu discurso com uma série de (auto)elogios à atuação da Câmara dos Deputados em 2023, Lira abordou a suposta crise entre os poderes — com um “recado”:

“Errará, insisto, errará grosseiramente qualquer um que aposte numa suposta inércia desta Câmara dos Deputados neste ano de 2024. Seja em razão das eleições municipais que se avizinham, seja, ainda, em razão de especulações sobre eleições para a próxima Mesa Diretora, a ocorrerem apenas no próximo ano.

Errará ainda mais apostar na omissão desta Casa – que tanto serve e serviu ao Brasil – em razão de uma suposta disputa política entre a Câmara dos Deputados e o Poder Executivo.

Para esses, que não acompanharam nosso ritmo de entregas e realizações, deixo, humildemente, um importante recado: não subestimem esta Mesa Diretora! Não subestimem os membros desta Legislatura!”

 

Em seguida, o presidente da Câmara fez menção a um suposto descumprimento de acordos pelo Executivo:

“E a boa política, como sabemos, apoia-se num pilar essencial: o respeito aos acordos firmados e o cumprimento à palavra empenhada.

E esse exemplo de boa política e de honradez com os compromissos assumidos dado por esta Casa, que marcou o ano de 2023 e permitiu a conquista de tantos avanços, também será a tônica para 2024.

E é por nos mantermos fiéis à boa política e ao cumprimento de todos os ajustes que firmamos, que exigimos, como natural contrapartida, o respeito às decisões e o fiel cumprimento aos acordos firmados com o Parlamento.”

Em uma das passagens mais polêmicas, Lira também afirmou que o orçamento da União não pertence somente ao Executivo. Ou seja, fez uma referência clara ao veto de Lula a parte das emendas parlamentares.

O orçamento da União pertence a todos e todas e não apenas ao Executivo porque, se assim fosse, a Constituição não determinaria a necessária participação do Poder Legislativo em sua confecção e final aprovação.

O orçamento é de todos e para todos os brasileiros e brasileiras: não é e nem pode ser de autoria exclusiva do Poder Executivo e muito menos de uma burocracia técnica que, apesar de seu preparo, não duvido, não foi eleita para escolher as prioridades da nação. E não gasta a sola de sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós, parlamentares.”

Mais para o final do seu discurso, o deputado ainda mencionou algumas pautas da agenda econômica do governo que podem ser votadas neste ano legislativo.

“Temos uma agenda inicial já prevista: a regulamentação da reforma tributária, a retomada da discussão da reforma administrativa e a aprovação da pauta de projetos da chamada “Pauta Verde” para consolidarmos a participação do Brasil na COP-30 que será realizada em Belém no ano que vem.

Neste ano iremos apreciar a vasta legislação infraconstitucional atinente à Reforma Tributária, contribuindo, assim, para melhorar nosso ambiente de negócios, atrair investimentos e reduzir os custos que corroem nossa competitividade.

Da mesma forma, se no ano passado apreciamos e votamos diversas matérias voltadas para a sustentabilidade ambiental, neste ano continuaremos a priorizar o debate sobre os projetos relativos a essa área.

O Brasil tem enorme compromisso com a chamada “Pauta Verde”, fundamental no esforço global que tem sido feito em busca da proteção ao meio ambiente, da transição energética e do fomento da economia sustentável.”

Análises mais pessimistas podem ver nessas menções à pauta legislativa de 2024 mais um recado ao Executivo. Afinal, Lira ainda estará no controle da casa ao longo do ano. E pode influenciar de forma decisiva o andamento dos projetos caros ao governo.

A repercussão no Executivo e no Congresso

A maioria dos aliados do presidente da Câmara evitou manifestações fortes contra o governo. Afinal, fazem parte da frágil base governista e não teriam ganho algum em mostrar a cara nessa briga.

No entanto, alguns parlamentares defenderam o deputado. Em entrevista à GloboNews, o líder do PL na Câmara, Altineu Cortes (RJ), criticou os vetos às emendas pelo presidente Lula. Além disso, falou que o governo deveria ser grato à atuação de Lira.

“É inadmissível na minha opinião o descumprimento de palavra e isso anda acontecendo com frequência entre o governo e o Congresso Nacional, especificamente falando da presidência da Câmara. O presidente Arthur Lira fez muito para o governo, votou matérias importantíssimas para a pauta econômica do governo federal (…) O governo foi ingrato com o presidente Arthur Lira.”

Alguns integrantes da equipe do presidente Lula tentaram baixar a temperatura. Já o senador Humberto Costa (PT) chamou-a de “inadequada” e “inoportuna” em discurso no plenário. Por outro lado, no X (antigo Twitter) o deputado Lindbergh Farias (PT) falou em “faca no pescoço”.

Lula evitou dar declarações a respeito do discurso. Nos bastidores, o presidente teria pedido paciência a seus aliados e indicado que não deve fazer algo para piorar o clima com o presidente da Câmara.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cancelou uma reunião que teria na terça-feira (6/2) com deputados da base aliada. O foco seria a reoneração da Folha, um tema que tem gerado ruídos entre o governo e a Câmara dos Deputados.

Lira, por outro lado, não fez novas declarações públicas sobre o tema. No entanto, nesta quarta-feira (7/2), assinou um requerimento cobrando esclarecimentos sobre a liberação de recursos pelo Ministério da Saúde. O documento tem como alvo a ministra Nísia Trindade. Além disso, leva as assinaturas de outros líderes da casa.

Qual a pauta econômica do Congresso em 2024?

A pauta do Congresso em 2024 deve tocar em diversos projetos importantes para o Executivo. Ela pode afetar os planos do governo de se aproximar do déficit zero e destravar a economia. No entanto, não é tão sensível quanto a de 2023, que tratou da Reforma Tributária, por exemplo.

Em 2024, a previsão é de continuidade nas discussões voltadas à recuperação fiscal. Os objetivos do governo são enfrentar o déficit primário, avançar na regulamentação tributária pós-reforma e tratar de outros pontos da agenda microeconômica.

Regulamentação da Reforma Tributária

A aprovação da Reforma Tributária, no final do ano passado, foi um dos principais sucessos do governo em 2023. Especialmente, no que diz respeito à articulação com o Congresso Nacional. No entanto, o tema voltará a ocupar a pauta legislativa em 2024.

Afinal, será preciso discutir leis complementares que regulamentarão diferentes pontos da reforma. Por exemplo, há questões em aberto sobre temas como:

  • Alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA)
  • Alíquotas da cesta básica nacional
  • Mecanismo de cashback de impostos

Cada um desses temas pode ser fonte de discussões acaloradas, devido ao interesse de diferentes setores econômicos e grupos políticos.

Reforma do Imposto de Renda

Uma pauta que deve chegar com tudo em 2024 é a da reforma do Imposto de Renda (IR). Isso porque essa foi uma das principais promessas durante a campanha do presidente Lula em 2022. Além disso, tem efeito direto sobre o contracheque de milhões de brasileiros.

Portanto, a aprovação de uma ampliação da faixa de isenção pode se tornar um ativo importante para o governo, principalmente em ano de eleições municipais. Ela pode ocorrer em uma segunda fase da Reforma Tributária. Em entrevista recente ao jornal O Globo, Haddad afirmou que essa é uma pauta prioritária.

Reforma Administrativa

A Reforma Administrativa não é uma pauta do governo, mas sim do Congresso. Afinal, Arthur Lira (principalmente) e Rodrigo Pacheco são os principais patrocinadores da PEC 32/2020 atualmente. Essa proposta visa alterar a organização da administração pública e os dispositivos sobre servidores e empregados públicos.

O governo não se entusiasma muito com o projeto, devido ao seu potencial de afetar servidores públicos, onde está boa parte da base eleitoral do PT. No entanto, deve entrar nas discussões para evitar que uma proposta ainda mais danosa aos seus interesses seja aprovada pelo Congresso.

Compensação do ICMS

Também devem entrar na agenda do Congresso outros temas relevantes para a economia. Por exemplo, na área fiscal, uma possível compensação para os Estados e o Distrito Federal deve ser prioritária. Afinal, é vista como essencial após a queda de arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Essa queda na arrecadação ocorreu depois da redução da alíquota de tributos sobre bens essenciais, como energia, comunicação e combustíveis. No entanto, pode gerar a necessidade de uma compensação acima dos R$800 milhões.

Tributação sobre a folha de pagamentos

Outro tema quente no Congresso este ano deve ser o da possível reoneração da folha de pagamentos de diversos setores. Em 2023, uma tentativa inicial do governo federal de cortar estímulos desse tipo sofreu resistência no Congresso.

O PL 334/202 do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), aprovado pela Câmara dos Deputados, previa a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores até 2027. No entanto, Lula vetou o projeto devido a uma perda possível de R$9 bilhões em arrecadação.

O veto acabou derrubado pelos parlamentares, mas o governo publicou uma medida provisória prevendo a reoneração gradual de todos os setores. Agora, deve iniciar uma nova negociação para solucionar essa queda de braço entre Executivo e Legislativo.

Por que a economia deve se manter a salvo?

Apesar da tensão em torno do veto de Lula e do discurso de Lira, a pauta econômica não deverá sofrer retaliações. Pelo menos, não tanto a ponto de prejudicar decisivamente as contas do governo. Isso tem menos a ver com o humor dos deputados e mais com o contexto atual em Brasília.

Afinal, um elemento importante é o peso das matérias previstas para 2024. Apesar de seu impacto não ser desprezível, é menor que o previsto com uma derrota hipotética das leis do Arcabouço Fiscal ou da Reforma Tributária em 2023. Portanto, a impressão é de que Lira já entregou o principal para o governo.

Outro ponto importante é que Lira tem como uma de suas bases políticas o poder econômico, incluindo elos fortes com empresários e boa parte do mercado financeiro. Portanto, ações que pudessem prejudicar as contas públicas e prejudicar o andamento da economia gerariam uma insatisfação importante por parte de seus aliados.

Por fim, outro aspecto importante é a sucessão na presidência da Câmara ainda este ano. Lira e seu grupo tentarão emplacar outro deputado no posto. Então, uma crise que cause uma desagregação muito forte na base de apoio do governo pode não ser exatamente uma vantagem para as ambições do Centrão.

A eleição para a presidência da Câmara

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão em seu último ano como presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. Afinal, foram eleitos para o biênio 2023-2024 e não podem concorrer mais uma vez à reeleição. Então, novos nomes assumirão seus postos a partir de 2025, e a questão da sucessão já é pauta nas negociações em Brasília.

Em seu último ano no cargo, Lira deve perder influência gradualmente ao longo do ano. Não convém a ele comprar novas brigas quando está prestes a perder poder. Principalmente, sob risco de não ter um aliado seu conquistando a sucessão. Afinal, pode precisar de apoio do governo para voltar à cena em um posto importante.

É difícil avaliar o impacto que esse cálculo poderá ter enquanto Lira ainda comanda a pauta da Câmara. No entanto, tanto ele quanto Lula são políticos experientes e devem usar ao máximo seu poder para levar a melhor nos embates que se aproximam.

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