A ideia de uma criptomoeda comum (mas não única) para Brasil e Argentina, talvez uma CBDC, que parece contar com simpatias no atual governo brasileiro, não encontra muito apoio no Banco Central.
Embora menos ambiciosa que o euro, que substituiu as moedas de quase 30 países europeus, a ideia de uma criptomoeda comum entre Brasil e Argentina apresenta dificuldades. Caso a escolha recaísse sobre uma CBDC, Central Bank Digital Currency (ou em português, criptomoeda de banco central), ou seja, uma moeda digital emitida por banco central em benefício de um ou mais governos, estar-se-ia diante de um território desconhecido.
Falta de precedentes é principal empecilho para criação de uma CBDC entre Brasil e Argentina
Há experiências com CBDCs. Por exemplo, a China, está testando em algumas de suas províncias o Yuan Digital. No Brasil, segundo declarações recentes do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o piloto do projeto de Real Digital deve começar ainda neste mês. Como veremos mais à frente, já foi marcada a data para a coletiva que exporá as diretrizes do projeto.
No entanto, como explicou recentemente em um evento empresarial, Fábio Araújo, que coordena o projeto de moeda digital brasileira do Banco Central, ainda não há precedentes para a coordenação de CBDCs.
Ele, que assim como Roberto Campos Neto, participou da LIDE Next_ Economia Digital, um evento sobre economia digital promovido pelo LIDE – Grupo de Líderes Empresariais, um grupo de executivos, que têm como seus objetivos declarados a defesa do livre mercado, a promoção dos desenvolvimentos social e econômico e o fortalecimento da ética na governança pública, bem como na privada.
Embora reconheça haver interesse global em usar CBDCs para tornar mais ágeis os pagamentos, tema sobre o qual o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a preparar um paper, o economista disse que isso não pode ser feito antes que os países tenham resolvido suas situações internas. Para simplificar, Araújo usou uma metáfora: não há como ir de carro à Argentina se não houver lá uma estrada que o veículo possa usar para se movimentar.
Coordenador do projeto Real Digital sugere Pix internacional
Devido aos desafios oferecidos pelo uso de CBDCs na conexão entre países, Araújo afirmou ser mais provável que algo como um Pix internacional seja usado primeiro com essa finalidade.
Um dos motivos para a avaliação feita por Araújo com relação ao Pix internacional é que este tem uma infraestrutura cujo desempenho já é conhecido e seu projeto está até mais avançado do que o do Real Digital. Por isso, é provável que seu uso seja liberado para a população em geral antes da moeda digital planejada pelo Banco Central e, quase certamente, mais cedo do que uma que seja comum a Brasil e Argentina.
Araújo explicou também que nunca chegou a participar no Banco Central de nenhuma conversa que tratasse da criação de uma moeda digital estatal comum a Brasil e Argentina. Lembrou também que, embora a instituição de que faz parte queira, com o advento do Real Digital, colaborar com a economia tokenizada, não significa que ela tenha a ambição de regular as stablecoins privadas.
Stablecoins são criptomoedas cujo valor está atrelado a outro ativo, como uma moeda fiduciária – mais comumente o dólar – ou uma commodity, como o ouro, por exemplo.
Em todo caso, explicou, a publicação de um decreto regulamentando o marco legal das criptomoedas, que é esperada para breve e deve esclarecer quais os reguladores responsáveis pelo mercado de criptomoedas e qual a responsabilidade de cada um deles, deve, na opinião do economista, conferir tratamento distinto às criptomoedas segundo a natureza delas.
Criptomoedas estão cada vez mais presentes na vida das pessoas e contam com muitos defensores
Segundo o site da Revista LIDE, no ano passado, Araújo declarou que o Real Digital, além de ser uma expressão da soberania do país, também facilitará a oferta de serviços e aumentará a segurança para a realização das transações.
Outro dos palestrantes no evento do LIDE foi um dos fundadores do Capitual, um banco digital que opera com várias moedas e afirma ter como objetivo simplificar para os clientes o uso de criptoativos e torná-lo mais seguro.
Ele disse que as moedas digitais apresentam várias vantagens, entre as quais citou favorecerem a inclusão dos excluídos pelos serviços financeiros tradicionais, interligarem os países, fortalecendo a economia global, baratearem as transações e serem mais transparentes. Por isso, defendeu a implementação de projetos de moedas como o Real Digital, além de criptomoedas privadas.
Outro dos palestrantes no evento, o Diretor de Inovação, Produtos e Serviços da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), Leandro Vilain, explicou que, apesar de sua rastreabilidade, o CBDC do Banco do Brasil não poderá impedir seu uso em fraudes, golpes e crimes em geral. Seu ponto forte é seu potencial para estimular a economia tokenizada e ajudar a inovar o sistema financeiro nacional.
Neste dia 6 de março, segunda-feira, uma coletiva de imprensa do Banco Central apresentou algumas diretrizes gerais do projeto do Real Digital, bem como a rede de blockchain que servirá a ele.
Os primeiros testes serão feitos na Hyperledger Besu, que é compatível com a rede Ethereum. A coletiva contou com a participação de altos funcionários do Banco Central, como Fabio Araujo, que, como citado, coordena a iniciativa da moeda digital, Marcus Antônio Sucupira, Chefe-adjunto do Departamento de Operações do Mercado Aberto, e Haroldo Jayme Cruz, que chefia Departamento de Informática da instituição.
Também há críticos ao real digital
A ideia do Real Digital tem defensores entusiasmados, mas também possui críticos ferozes. Um dos mais ousados e assertivos é Jorge Stolfi, professor de ciências da computação da Unicamp, que não hesita em chamar de vigarice a promoção feita por empresas de tecnologia blockchain.
Stolfi, que critica duramente as criptomoedas e chegou a comparar o Bitcoin a um vírus radioativo pelo que considera ser sua nocividade, afirmou em postagens na rede social Twitter em fins de fevereiro que o Banco Central havia sido enganado por vigaristas do Blockchain e gastará milhões de reais inutilmente.
O #BancoCentralDoBrasil (#BCB) infelizmente caiu na lábia dos vigaristas que vendem "tecnologia #blockchain", e vai gastar milhões pagando essas empresas para desenvolver projetos piloto, etc para o #RealDigital (#CBDC). Lamentável. >>
— Jorge Stolfi (@JorgeStolfi) February 24, 2023
O desperdício seria feito com a realização de estudos, o desenvolvimento de projetos, a realização de testes e a implementação do conceito. O acadêmico, sem dar exemplos, afirmou haver tecnologias mais adequadas que a de blockchain para o que a instituição brasileira deseja realizar, que, diz ele, tem como única função tirar dinheiro de investidores que não entendem de software, o que ele comparou com terapia de cristais.
Para a criação do Real Digital, o Banco Central aliou-se a empresas cripto. Nove empresas foram selecionadas para a criação do Real Digital. Além de bancos como ConsenSys e Mercado Bitcoin e bancos tradicionais como Santander e Unibanco.
A um internauta que reagiu a suas críticas dizendo ser a mesma história de sempre: um gerente com que ele trabalhara queria impedi-lo de investir na construção de um site para a empresa no começo dos anos 90 porque a tal internet seria só fogo de palha, Stolfi retrucou que usa a internet ou sua antecessora desde fins da década de 70 e que, no começo dos anos 90, ele era o webmaster do instituto onde trabalha.
Executivos como o tal gerente é que são os deslumbrados atirando dinheiro em cima dos promotores de blockchain, justamente porque não entendem a tecnologia que está sendo oferecida e, em consequência disso, não conseguem perceber sua inutilidade para os propósitos para os quais ela é apregoada.
Investimentos em renda variável envolvem operações de alto risco e podem não ser indicados para novatos.