Recentemente, o Banco Central do Brasil apresentou os detalhes do modelo econômico do piloto do Real Digital, previsto para ser concluído até o ano que vem. Para o desenho da infraestrutura dos testes, o BC levou em conta a tendência crescente de “tokenização” de ativos.
Outro ponto considerado foi a emissão de ativos digitais em plataformas de registro descentralizado não reguladas. Com a condução do Piloto RD, o BC avaliará os ganhos de “programabilidade” permitida por uma plataforma DLT por meio de operações com ativos “tokenizados”.
Atualizações das diretrizes gerais do Real Digital pelo Banco Central
- Ênfase no desenvolvimento de modelos inovadores com a incorporação de tecnologias compatíveis com liquidação de operações por meio da “internet das coisas” (IoT). Exemplos são os contratos inteligentes (smart contracts) e dinheiro programável;
- Foco no desenvolvimento de aplicações online, mantendo em vista a possibilidade de pagamentos offline;
- Emissão do Real Digital pelo BC como meio de pagamento. Objetivo é dar suporte à oferta de serviços financeiros de varejo liquidados por meio de tokens de depósitos em participantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB);
- Aplicação do arcabouço regulatório vigente às operações realizadas na plataforma do Real Digital, evitando assimetrias regulatórias.
Outros pontos apresentados pelo BC incluem:
- Garantia da segurança jurídica nas operações realizadas na plataforma do Real Digital;
- Observância a todos os princípios e regras de privacidade e segurança previstos na legislação brasileira. Em especial à Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 (sigilo bancário), e à Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais);
- Desenho tecnológico que permita integral atendimento às recomendações internacionais e normas legais. Objetivo é a prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa. Isso inclui o cumprimento a ordens judiciais para rastreamento de operações ilícitas;
- Adoção de solução tecnológica baseada em DLT que permita o registro de ativos de diferentes naturezas. Ainda a descentralização no provimento de produtos e serviços; a interoperabilidade com sistemas domésticos legados e com outros sistemas de registro e transferência de informação e de negociação de ativos digitais regulados. Inclui também a integração a sistemas de outras jurisdições, visando à realização de pagamentos transfronteiriços;
- A adoção de padrões de resiliência e segurança cibernética equivalentes aos aplicáveis a infraestruturas críticas do mercado financeiro.
Na atualização, a primeira diretriz foi preservada por ser a mais importante de todas. Ela explicita o objetivo do BC de promover a democratização do acesso às novas tecnologias por meio do Real Digital, que dará suporte a transações de varejo.
A atualização estabelece a distinção entre o uso de tecnologias de smart contracts e de IoT. A atual segunda diretriz elencada amplia o escopo de ‘operações online’ para ‘aplicações online’. O que parece mais consistente com a ampliação das possibilidades trazidas pelo arcabouço de finanças descentralizadas à iniciativa do Real Digital. Além disso, restringe-se a possibilidade de uso offline de pagamentos.
Requisitos básicos para o piloto do Real Digital
De acordo com as informações divulgadas pelo Banco Central, os requisitos básicos para o piloto do Real Digital são:
- DLT Multiativo – Utilização de plataforma com base na DTL, na qual poderão ser registrados ativos pré-determinados de naturezas distintas (multiativo), bem como transações entre eles. Ou seja, a infraestrutura do Piloto RD funcionará como uma “DLT Multiativo”.
- Ativos – Depósitos das contas Reservas Bancárias, de Contas de Liquidação e da Conta Única do Tesouro Nacional; depósitos bancários à vista; contas de pagamento de IPs; e Títulos Públicos Federais (TFPs). Serão mantidos os critérios de acesso às contas Reservas Bancárias ou de Liquidação, conforme disciplina legal e regulatória vigentes.
- Transações: emissão, resgate e transferência dos ativos supracitados, bem como os fluxos financeiros decorrentes de eventos de negociação. As transações contemplarão a liquidação condicionada e simultânea entre os ativos registrados, a fim de garantir a Entrega contra Pagamento (DvP), até o nível do cliente final (liquidação atômica). Os registros dos ativos e as transações deverão possibilitar fragmentação, respeitando o sistema de apreçamento centesimal, a fim de maximizar um dos benefícios potenciais da tecnologia DLT.
- Funcionalidades essenciais: camadas de registro dos ativos, de liquidação de suas transferências e de protocolos, bem como os contratos inteligentes necessários para a execução das transações propostas no Piloto RD. Adicionalmente, não será permitido saldo a descoberto em nenhuma transação com os ativos registrados.
Vale lembrar que, durante a condução do piloto do Real Digital, será criado um fórum para troca de informações. Nesse espaço será oferecida orientação em relação ao desenvolvimento dessa plataforma e dos testes propostos.
Esse canal de comunicação do corpo técnico do BC com as entidades representativas dos setores envolvidos permitirá ainda a discussão do estabelecimento de estratégias negociais. Além do desenvolvimento que seja mais adequado às necessidades da sociedade brasileira.
Com a plataforma de teste, o BC avaliará os ganhos de programabilidade permitida por uma infraestrutura DLT multi ativo
As discussões e iniciativas sobre a possível emissão de uma moeda pelo Banco Central começaram em agosto de 2020, o que levou à criação das diretrizes do Real Digital em maio de 2021.
Desde então, o BC tem acompanhado de perto a tendência crescente do uso de transações financeiras em ecossistemas de tecnologia de registro distribuído (Distributed Ledger Tecnology – DLT) na economia brasileira.
O diálogo com o setor privado e com a academia, especialmente por meio do LIFT Challenge, permitiu uma análise detalhada dos potenciais modelos de emissão do Real Digital.
Como resultado, em fevereiro de 2023, o Banco Central revisou as diretrizes do Real Digital e iniciou os testes com uma plataforma para operações com o Real Digital, o “Piloto RD”.
A discussão tem evoluído em especial em torno da necessidade de conciliar ampla variedade de casos de usos da futura moeda digital do BC aos arranjos institucionais em vigor no país. Além de inserir as tecnologias disponíveis para implementação.
Nesse contexto, o BC consolidou a visão de que, para se atingir os principais objetivos da implantação do Real Digital, é importante preservar a intermediação financeira. E, consequentemente, a capacidade de alavancagem e de geração de crédito do sistema bancário.
As diretrizes foram atualizadas para direcionar a evolução da iniciativa do Real Digital, conforme explicou Fabio Araujo, consultor do Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos (Deban) do Banco Central.
Real Digital se apresenta como uma das maiores inovações dos meios de pagamento do Brasil
Para o desenvolvimento de um real em formato digital, uma das principais diretrizes é a interoperabilidade entre essa nova forma e os meios de pagamento disponíveis à população. Por isso, além dos novos usos projetados para o Real Digital, as formas atuais de uso da moeda também deverão permanecer disponíveis.
O Real Digital será uma representação digital do real físico em circulação. A política monetária será a base de sustentação de seu valor. Com o Real Digital, será possível fazer pagamentos em lojas, através do prestador de serviço de pagamentos, ou mesmo através do PIX.
O projeto prevê, ainda, a possibilidade de ser realizada a transferência de Reais Digitais para outras pessoas, transformar os Reais Digitais que estarão em custódia de um banco em depósito bancário convencional, sacar os Reais Digitais passando para o formato físico, pagar contas, boletos e impostos. Ou seja, será possível movimentar os Reais Digitais da mesma forma que são movimentados os outros recursos hoje depositados em instituições financeiras.
Agentes de custódia
Para que seja possível ter acesso ao Real Digital, o usuário final terá uma carteira virtual em custódia de um agente autorizado pelo Banco Central – como um banco ou uma instituição de pagamento.
Quando o Banco Central movimenta a liquidez da economia, em sua missão de garantir a estabilidade do valor de compra do Real, a quantidade de reais digitais em circulação será levada em conta.
O Real Digital vai compor a medida de agregado monetário de maior liquidez disponível, similar a depósitos bancários e à moeda física que está hoje em poder das pessoas.
Uma diretriz estabelecida para o Real Digital é que a moeda mantenha os elevados níveis de segurança e privacidade atualmente disponíveis nas operações realizadas no sistema bancário e de pagamentos.
O uso do Real Digital promete ser transparente e oferecer a possibilidade de ser convertido para qualquer outra forma de pagamento disponível, como depósito bancário convencional ou em real físico. Também poderá ser utilizado para pagamentos do dia a dia.
Real Digital e criptomoedas – saiba as principais diferenças
O Real Digital pertencerá a uma nova categoria de moedas digitais, as CBDC (Central Bank Digital Currencies). Não será uma criptomoeda no sentido atual do termo, mas sim uma nova expressão de moeda digital emitida pela autoridade monetária brasileira.
Será garantida pelos mesmos fundamentos e pelas mesmas políticas econômicas que determinam o valor e a estabilidade do Real convencional, emitido em papel moeda.
Central Bank Digital Currencies (CBDC) e Crypto Assets – moedas virtuais – não são sinônimos. Pelo contrário, são muito diferentes em diversos aspectos.
Por exemplo, a natureza dos crypto assets é de ativos. Portanto, eles não têm todas as características fundamentais para serem considerados uma moeda, que servem como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta.
Não são emitidas por autoridades monetárias, como os bancos centrais. Já os CBDC são moedas de fato e detêm todas as suas características.
Criptomoedas como Bitcoin e Ethereum, apresentam uma grande volatilidade, o que dificulta o seu uso como meio de pagamento. Enquanto isso, o Real Digital é uma expressão da moeda soberana brasileira.
Seu desenvolvimento visa dar suporte a um ambiente seguro onde empreendedores possam inovar e consumidores possam ter acesso às vantagens tecnológicas. Tudo isso sem que seja necessário se expor a um ambiente financeiro não regulado.
Fundamento será garantir a estabilidade do poder de compra do real
No que se refere à emissão e ao acesso ao Real digital, a moeda será emitida pelo Banco Central. Terá como fundamento a condução da política monetária, que visa garantir a estabilidade do poder de compra do real. Assim, não haverá mineração.
Qualquer pessoa ou empresa que desejar adquirir reais em formato digital deverá entregar reais em formato convencional e o Banco Central emitirá os Reais Digitais correspondentes. Essa operação não será feita diretamente com o BC. Será intermediada por um participante do sistema financeiro, como um banco, cooperativa ou fintech.
Outros intermediários serão um sistema de pagamentos ou mesmoalgum novo tipo de empresa que venha a ser criada para facilitar o acesso e a utilização de reais no formato digital.
O foco da iniciativa do Real Digital está nas questões domésticas. Mas a discussão internacional sobre pagamentos transfronteiriços tem mostrado força. Principalmente com as diretrizes publicadas pelo G20 para a melhora dos sistemas internacionais de pagamentos.
Uma coordenação internacional poderia trazer enormes ganhos de eficiência para esses sistemas e as discussões sobre CBDC. A grande maioria dos bancos centrais tem participado dessas conversas.
Criptoativos são um investimento de alto risco e podem não ser indicados para novatos.
Alguns desafios para a implantação do Real Digital
Um dos maiores desafios para a implantação de um real digital decorre do fato de o sistema de pagamentos brasileiro já ser bastante moderno. Há boas soluções implantadas tanto para pagamentos no atacado quanto no varejo.
O sistema de pagamentos instantâneos, o PIX, é um sucesso de adesão e tem ajudado a mudar a maneira como pequenos negócios fazem as suas transações.
Uma das diretrizes para o desenvolvimento de um real em formato digital é a interoperabilidade com meios de pagamento disponíveis à população. Com isso, além dos novos usos projetados para o Real digital, as formas atuais deverão ser também disponíveis.
Assim, a ideia é que as pessoas possam movimentar os seus Reais Digitais da mesma forma que movimentam os seus recursos hoje depositados nos bancos.
Desafio é ir além dos serviços que já são prestados à sociedade
Por isso, especialistas acreditam que o maior desafio é ir além dos serviços que já são prestados à sociedade brasileira. A ideia é fomentar o desenvolvimento de novas funcionalidades e formas de prestação de serviços financeiros.
A transformação digital está se acelerando cada vez mais no Brasil. Não há como ter certeza de o quão rápido a demanda por esses novos serviços pode se intensificar.
Por isso, o Banco Central deve estar preparado para desenvolver instrumentos capazes de atender às demandas da sociedade. E para garantir a eficácia de suas políticas de estabilidade monetária e financeira, conforme expresso em sua missão.
A questão tecnológica é também muito importante. As tecnologias envolvidas na implantação de moedas digitais de bancos centrais estão se desenvolvendo rapidamente.
No entanto, vários testes ainda serão necessários para estabelecer os níveis de eficiência, segurança e privacidade dessas soluções tecnológicas antes de serem efetivamente implementadas no Brasil.