Muitos ativos do mercado de criptomoedas, inclusive o Bitcoin, experimentaram fortes valorizações no começo deste ano, o que compensou em parte as perdas em valor sofridas no ano passado e criou expectativas de que o chamado inverno cripto estivesse chegando ao fim, para então ser sucedido por uma exuberante (e lucrativa) primavera.
Fevereiro diminui as expectativas de um ciclo de alta no mercado de criptomoedas e previsão para março é pessimista
No entanto, o otimismo ficou um pouco abalado com as quedas experimentadas a partir de fevereiro, mês ao fim do qual a cotação do Bitcoin em dólares, para citar um exemplo de relevo para o mercado, estava só 0,03% superior ao que era no início dele. A recuperação havia perdido fôlego. Há quem defenda que o mês de março poderá ser de fortes desvalorizações das criptomoedas.
Um argumento a favor do pessimismo com relação ao desempenho das criptomoedas em março relaciona-se ao mercado de ações e às expectativas para ele.
A recuperação do mercado de criptomoedas aconteceu em paralelo com o de ações, e tanto um como outro movimento compartilhava pelo menos uma causa: a expectativa, até agora frustrada, de que o Fed, banco central dos Estados Unidos, estivesse perto de se dar por satisfeito em sua resposta à inflação americana, que havia atingido a maior marca desde o início da década de 80, e começasse a afrouxar sua política monetária.
É razoável supor que o mercado de criptomoedas acompanhe o de ações se este começar a cair. Neste ponto, devemos citar uma nota produzida por analistas do Morgan Stanley, liderados por Mike Wilson, diretor de investimentos da empresa, escolhido o melhor estrategista de portfólio na última pesquisa da editora de material de negócios Institutional Investor (outros 15 analistas foram selecionados em áreas como seguros, semicondutores e software).
A nota apontou que o comportamento recente das cotações das ações encaixa-se em um padrão que se manifesta frequentemente: a amenização, entre relatórios trimestrais de ganhos, de um bear market (mercado em baixa), que, logo depois, retoma a trajetória de baixa. Para os autores da nota, é o que está acontecendo agora, com semanas consecutivas de queda do S&P 500.
A resistência da inflação americana tem afetado as expectativas do mercado, que passou a pensar que o Fed persistirá em sua política monetária rígida para combatê-la. Além disso, os analistas liderados por Wilson julgam que, de modo geral, as ações já estão cotadas a valores pouco realistas e que a recessão experimentada pelos lucros das empresas que as emitiram continuará por algum tempo.
Com os fundamentos da economia e das empresas sob suspeita, explica a nota que fatores de análise técnica podem ser decisivos quanto ao próximo grande movimento do mercado acionário. Se o dólar e os juros americanos caírem, explicam os autores, as ações podem resistir um pouco em seus patamares de valor antes que, finalmente, os rendimentos medíocres das empresas nos últimos tempos sejam devidamente levados em conta na formação dos preços dos ativos.
Caso essas pré-condições não surjam, o bear market pode se estabelecer em breve e de maneira firme no mês de março.
Pelas razões apontadas acima, a equipe acredita que as altas recentes do mercado de ações americano acabaram se constituindo em uma “armadilha para touros” (em inglês, bulls, apelido dado aos investidores que apostam na alta de um ativo, setor ou mercado).
Outros economistas também se mostram pessimistas enquanto os juros dos EUA não forem cortados
Wilson e sua equipe não estão sozinhos em suas previsões pessimistas. Michael Hartnett, economista-chefe do Bank of America, previu que se a inflação se mostrasse resistente aos remédios ministrados pelo Fed, isso poderia derrubar as ações. Mislav Matejka, analista do JPMorgan, defendeu que as ações não pararão de cair até que o banco central americano reverta o rumo de sua política monetária e comece a cortar os juros.
Desde o ano passado, já houve oito aumentos seguidos da taxa de juros americana. O mais recente, decidido em fevereiro deste ano, foi menor do que a média dos sete anteriores, o que despertou esperanças de que a instituição estivesse perto de interromper a política de altas, mas o otimismo tem se desvanecido desde então diante de declarações de autoridades e expectativas para a economia.
No dia 2 de março, Christopher Waller, membro do conselho do Fed, afirmou que se os números de inflação e emprego relativos a janeiro vierem mais altos do que o esperado, o banco central americano terá que realizar mais aumentos na taxa de juros.
Segundo ele, não parece que o consumo esteja desacelerando nem que o mercado de trabalho esteja desaquecendo, o que significa que medidas adicionais no campo monetário poderão ser essenciais para que a inflação seja debelada.
Esperança para cripto investidores é que desempenho das ações não se reflita no mercado de criptomoedas
Um artigo recente do site da revista de negócios Forbes notou as implicações para as criptomoedas das expectativas dos analistas de Morgan Stanley para o mercado de ações, mas observou a existência de pelo menos um motivo para esperanças de que aquelas passem incólumes, ou pelo menos pouco atingidas pelo terremoto previsto paras estas.
Segundo um relatório de outro gigante do setor financeiro, o Citi, a correlação entre o comportamento de ações e o das criptomoedas, que atingiu um pico no ano passado, estava se reduzindo.
A equipe que produziu o relatório em questão, liderada por Alex Saunders, observou que depois de um período de queda na esteira do colapso da corretora FTX, a capitalização de mercado das stablecoins, criptomoedas cujo valor está atrelado a outro ativo, como ouro ou o dólar, por exemplo, voltou a se estabilizar.
Além disso, o relatório do Citi notou que a porcentagem de Ether (ETH) em contratos inteligentes ainda estava aumentando. ETH é token nativo da rede de blockchain Ethereum e segunda criptomoeda em capitalização de mercado.
Outros sinais de resiliência dos criptoativos apontados pela equipe de Saunders foram o aumento na atividade com NFTs nas semanas que precederam a publicação do relatório, além do fluxo para stablecoins concorrentes da maior parte dos fundos que deixaram a Binance USD (BUSD).
BUSD é uma stablecoin cujo emissor, a empresa Paxos, talvez seja processado pela U.S. Securities and Exchange Commission, regulador do mercado financeiro estadunidense que considera o ativo como um título mobiliário que precisaria de permissão prévia sua para ser emitido.
Se é verdade que a tendência parece ser de que o comportamento das ações interesse menos na definição dos movimentos das criptomoedas, a recíproca é verdadeira: no final no ano passado, Saunders e sua equipe apontaram que o colapso pelo qual passavam as cotações de criptomoedas como o Bitcoin no seguimento da solicitação do pedido de falência da corretora FTX não estava tendo efeito quase nenhum sobre os ativos tradicionais. “O contágio parece contido no mercado cripto” foi a conclusão na época.
Para isso, porém, como observaram os analistas do Citi, concorre o fato de que o mercado cripto ainda é pequeno comparado com os dos ativos tradicionais.
É preciso também considerar que, embora se possa argumentar, como fazem Wilson e seus liderados, que as ações negociadas nas bolsas americanas estão supervalorizadas em relação aos lucros obtidos pelas empresas que as emitiram, não é tão fácil determinar qual é o “preço justo” de 1 Bitcoin ou de 1 token de Ether.
Ainda assim, tendo em vista a semelhança entre as situações de ações e criptomoedas e a intersecção nada desprezível dos conjuntos de forças que vinham pressionando seus preços para cima, pode ser útil para os interessados em criptomoedas manter um olho no mercado acionário americano.
Investimentos em renda variável envolvem operações de alto risco e podem não ser indicados para novatos.
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