Dolarizar a economia voltou a ser um assunto bastante comentado recentemente devido ao calor das eleições na Argentina. Isso se deu especialmente após Javier Milei propor uma ideia audaciosa para combater a inflação e a desvalorização acentuada do peso argentino.

Sua proposta consistia em eliminar o banco central do país e adotar totalmente o dólar americano, substituindo o peso argentino, que ele criticou duramente.

Essa proposta levantou um amplo debate entre especialistas e economistas sobre a viabilidade e a eficácia dessa medida para resolver a crise econômica da Argentina.

Mas, além dos Estados Unidos, existem outros países que já adotaram o dólar americano como moeda oficial.

Alémd disso, vale observar que desde o acordo de Bretton Woods em 1944, que estabeleceu o dólar como a principal moeda de troca global, a maioria das reservas dos países é mantida em dólares americanos.

Apesar do fim desse acordo em 1973, o dólar ainda domina as reservas globais e o comércio internacional.

Vários países são contra dolarizar a economia e tentam tirar o dólar da liderança

Apesar dos esforços de países como China, Rússia e, mais recentemente, o Brasil, em criticar e buscar alternativas, o dólar americano ainda domina o cenário monetário global.

Em muitos países, incluindo o Brasil, a cotação da moeda local em relação ao dólar é determinada pelas forças de mercado, ou seja, pela oferta e demanda.

No entanto, mais de 65 países têm suas moedas de alguma forma atreladas ao dólar americano, mantendo, contudo, a capacidade dos bancos centrais de controlar a emissão de moeda nacional.

Essa indexação ao dólar pode ocorrer através de regimes cambiais fixos ou de mecanismos como bandas cambiais ou bandas rastejantes.

O Brasil, por exemplo, adotou esse sistema entre 1994 e 1999 como parte do Plano Real para combater a inflação.

Alguns países possuem sua moeda local atrelada ao dólar, mas sem dolarizar a economia

Atualmente, países do Oriente Médio, como Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes, têm suas moedas vinculadas ao dólar, o que fornece uma estabilidade econômica maior, especialmente por serem exportadores de commodities.

Por outro lado, há países como a Argentina, onde o dólar é amplamente usado na prática, embora não seja oficialmente a moeda do país.

Na Argentina, itens de maior valor, contratos de venda e aluguéis são frequentemente negociados em dólar.

A população mantém uma parcela significativa de suas economias em dólares, e o comércio aceita a moeda americana, mesmo que o governo e os serviços públicos operem com a moeda local, o peso argentino.

Outros casos em que o dólar tem forte presença

No mundo do turismo, é comum encontrar destinos onde a economia local se adapta para aceitar o dólar americano como forma de pagamento.

Esse fenômeno se manifesta de diferentes maneiras ao redor do mundo. Existem países onde a cotação do dólar é determinada puramente pelas forças de oferta e demanda do mercado, resultando em taxas de câmbio flutuantes e flexíveis.

Outros países têm suas moedas locais indexadas ao dólar segundo regras específicas.

Além disso, há países onde o dólar circula amplamente na economia, mas não é a moeda oficial, com é caso da Argentina.

A situação mais extrema é a dolarização completa, onde países adotam o dólar como sua moeda oficial.

Nesses casos, todas as transações econômicas, incluindo pagamento de impostos, são feitas em dólares americanos. Esta prática, embora rara, implica na renúncia do país à sua política monetária e cambial autônoma, o que é frequentemente criticado devido à perda de autonomia.

Países que resolveram dolarizar sua economia

Atualmente, o dólar é a moeda oficial em cinco territórios americanos e em 11 países.

A maioria desses países são ilhas no Pacífico, mas alguns países maiores também aderiram à dolarização, como Equador, El Salvador, Zimbábue, Timor Leste e Panamá.

Equador

Em 2000, durante uma grave crise econômica e inflacionária, o país adotou o dólar americano como sua moeda oficial.

Essa mudança foi iniciada pelo então presidente Jamil Mahuad, que foi deposto por uma intervenção militar antes que a implementação do dólar fosse concluída.

A adoção do dólar ajudou a estabilizar os preços no Equador a curto prazo, mas desafios surgiram posteriormente. Devido à falta de uma moeda própria, o país teve que financiar aumentos de gastos e déficits fiscais por meio de empréstimos.

Em 2008, o Equador declarou moratória em alguns de seus títulos externos, e em 2019, teve que buscar um grande empréstimo junto ao FMI.

Hoje, apesar de uma inflação controlada e de um crescimento significativo nas últimas décadas, o Equador ainda enfrenta desafios, como a violência de facções criminosas, corrupção e instabilidade política.

Somente neste ano, o congresso do país foi dissolvido, e um candidato à presidência foi assassinado, refletindo problemas que impactam diretamente a economia equatoriana.

Panamá

O Panamá talvez seja o exemplo mais conhecido de dolarização na América Latina, adotando o dólar americano como sua moeda principal desde 1904, um ano após sua independência da Colômbia.

Essa mudança ocorreu com o apoio dos Estados Unidos e desempenhou um papel crucial na estabilidade e desenvolvimento econômico do país. A inflação no Panamá tem sido mantida sob controle, destacando-se quando comparada com outros países do continente.

Além disso, o Canal do Panamá tem sido um fator significativo no crescimento econômico do país, atraindo empresas e mercadorias globais.

O país também se tornou um centro financeiro internacional, conhecido por sua legislação secreta, transformando-se em um paraíso fiscal. Interessantemente, apesar da dolarização, o Panamá mantém sua própria moeda, o Balboa, que é indexado ao dólar e circula apenas na forma de moedas.

Especialistas veem a dolarização como um dos principais motivos para a prosperidade do Panamá, afastando a influência governamental na dinâmica monetária e evitando crises frequentes.

O país experimentou um crescimento anual superior a 6% durante um quarto de século, destacando-se economicamente entre as nações latino-americanas.

A dolarização, no entanto, não é o único fator por trás do sucesso econômico do Panamá.

Após uma crise na década de 1980, o país adotou políticas de liberalização econômica, incluindo a abertura do comércio, a privatização de empresas estatais e a melhoria do ambiente de negócios.

Além disso, o Canal do Panamá é um elemento único e uma fonte extraordinária de receita para o país.

Um relatório do Banco Mundial de 2019 destacou o “crescimento quântico” do Panamá, comparando sua performance com outras nações da região.

Entre 1993 e 2018, o Panamá teve o maior crescimento percentual do PIB real e atualmente é o maior PIB per capita da América Latina.

El Salvador

No início dos anos 2000, El Salvador adotou o dólar como sua moeda oficial, seguindo os passos do Equador, mas sob circunstâncias diferentes.

Enquanto o Equador enfrentava uma grande crise econômica na época de sua dolarização, El Salvador não passava por turbulências semelhantes e mantinha uma inflação relativamente controlada.

A principal expectativa com essa mudança era promover estabilidade e atrair investimentos. Contudo, ao contrário do que ocorreu no Equador e no Panamá, El Salvador não experimentou um crescimento econômico significativo após a dolarização.

As remessas de imigrantes nos Estados Unidos representam uma parcela importante do Produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador.

Interessantemente, a reversão da dolarização chegou a ser amplamente defendida pelos governos de esquerda do país.

Mais recentemente, sob a presidência de Nayib Bukele, El Salvador tomou uma decisão ainda mais ousada: adotou o Bitcoin como uma de suas moedas oficiais, juntamente com o dólar, tornando-se o primeiro país do mundo a fazer isso.

Essa medida inovadora na política monetária salvadorenha foi tema de um programa especial, que detalha a experiência do país com o Bitcoin como moeda oficial.

Zimbábue

No Zimbábue, um dos países mais pobres do mundo, usa-se o dólar americano como uma das moedas oficiais, junto com o dólar zimbabuano, o Yen japonês, o Rand sul-africano e o Pula de Botsuana.

Essa adoção de moedas estrangeiras começou em 2009, em resposta a uma crise de inflação extrema. Durante essa crise, o governo chegou a emitir notas de 100 trilhões de dólares zimbabuanos.

Passados quase 15 anos, em 2023, o Zimbábue ainda enfrenta uma alta previsão de inflação anual de cerca de 300%. A dificuldade em estabelecer uma moeda própria estável, a escassez de dólares e a crise econômica na vizinha África do Sul compõem um cenário complexo e desafiador para o país.

A situação monetária no Zimbábue chegou a um ponto em que a população teve que recorrer a notas promissórias em papel e até ao escambo. De acordo com o Wall Street Journal, essas medidas ainda não foram suficientes para estabilizar a economia do país.

Mesmo sem dolarizar a economia, como o dólar afeta a vida dos brasileiros?

No Brasil, vendem-se os produtos em reais, mas muitos deles, seja de forma direta ou indireta, são importados ou têm seus preços atrelados ao dólar.

Isso se deve ao fato de o dólar ser a principal moeda para realizar a maior parte das transações comerciais globais e também ser a reserva internacional mais usada por vários países, incluindo o Brasil.

O Banco Central do Brasil, por exemplo, mantém 80% de suas reservas internacionais em dólar.

Commodities

Adicionalmente, as commodities, que são um forte setor de exportação do Brasil, têm seus preços definidos em dólar.

Isso tem um impacto significativo nos produtos consumidos pelos brasileiros. Por exemplo, quando o dólar valoriza, o custo de importação de produtos estrangeiros aumenta, encarecendo itens que vão desde eletrônicos a roupas de grife e alimentos importados, afetando o bolso do consumidor.

O mesmo acontece com o petróleo, também cotado em dólar, impactando diretamente no preço da gasolina e nas despesas dos consumidores brasileiros.

Agronegócio

No agronegócio, a cotação do dólar influencia diretamente tanto o setor quanto o valor das exportações, melhorando a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional.

Quando o dólar valoriza frente ao real, os exportadores brasileiros se beneficiam, pois isso aumenta o valor das transações em moeda estrangeira, contribuindo para um superávit na balança comercial do país.

Além disso, o Brasil importa metade do trigo que consome, uma commodity cujo preço é determinado pelo dólar. Portanto, uma alta na cotação do dólar pode encarecer alimentos derivados do trigo, como pão e macarrão.

Turismo

O turismo também é afetado pela variação cambial. Quando o dólar está alto em relação ao real, viagens ao exterior se tornam mais caras, influenciando tanto a decisão de viajar quanto o orçamento destinado a estas experiências.

Como resultado, a moeda americana não é apenas uma ferramenta de transação, mas uma variável estratégica para o agronegócio brasileiro e para o posicionamento do país no cenário global.

A influência do dólar no Plano Real

O Plano Real, implementado em 1994 no Brasil, marcou a história econômica do país como um dos mais eficientes. Ele não só conseguiu reduzir drasticamente a inflação, mas também ampliou o poder de compra da população e reformulou diversos setores da economia nacional.

Seu principal objetivo era estabilizar a economia, controlar a alta inflação que se acumulava desde anos anteriores e impulsionar o crescimento econômico do Brasil.

Para entender a magnitude do problema que o Plano Real enfrentou, é importante destacar que a inflação acumulada de 1965 a 1994 atingiu incríveis 1.142.332.741.811.850% (IGP-DI).

Uma das estratégias fundamentais para controlar a inflação foi a indexação da nova moeda, o real, ao dólar. Essa medida, apesar de custosa para os cofres públicos, provou ser vital para o sucesso do plano.

Regime cambial livre e eventuais intervenções

Com o passar do tempo e o aumento da confiança dos agentes econômicos no controle da inflação pelo Banco Central e pelo governo, desvinculou-se o real do dólar, adotando um regime de flutuação mais livre. No entanto, o Banco Central ainda mantém um certo controle e monitoramento.

No sistema de câmbio flutuante adotado pelo Brasil, as taxas de câmbio são determinadas pela oferta e demanda do mercado. O governo permite que as moedas oscilem livremente e, em situações específicas, pode intervir para ajustar a cotação.

Esse regime cambial reflete de forma mais realista o valor real de uma moeda, pois não depende de uma fixação artificial.

O governo normalmente interfere pouco nas variações cambiais. Em momentos de alta no câmbio, tomam-se outras medidas para controlar a inflação, como a alteração da taxa Selic.

Uma vantagem do câmbio flutuante é que o governo não precisa usar reservas para manter a cotação, mas a desvantagem é a volatilidade e a incerteza que traz para o comércio, já que as moedas podem mudar de valor diariamente.

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