Após uma campanha repleta de bravatas contra o Mercosul, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, não irá se opor à permanência do país no bloco. Pelo menos foi isso que sinalizou a futura chanceler Diana Mondino, após encontro com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira.

A reunião entre os pares ocorreu no domingo (26/11) e serviu para esfriar os ânimos entre o governo brasileiro e a equipe de Milei — não apenas em relação ao Mercosul. Afinal, Mondino aproveitou para exaltar a relação entre os dois países.

“A conversa foi excelente, muito amável. Acredito que a principal mensagem é que somos países irmãos, seguiremos sendo e temos que trabalhar muito para fazer crescer os dois países.”

Mondino, que assumirá o posto de chanceler no próximo mês, deu declarações favoráveis ao funcionamento do Mercosul. No entanto, elas foram direcionadas principalmente ao possível acordo entre o bloco sul-americano e a União Europeia.

“Antes que me perguntem, estamos conversando sobre a importância de assinar o (acordo do) Mercosul o quanto antes. Mercosul-União Europeia e eventualmente com outros países, como Singapura.”

A informação foi confirmada pelo Itamaraty em post no X (antigo Twitter).

Além disso, Mondino compartilhou um post de outro perfil no X posteriormente. Segundo ele, o Mercosul estaria bem próximo de um acordo com a Argentina.

As declarações de Milei durante a campanha argentina

A visão de Milei em relação ao Mercosul foi alvo de preocupação no Itamaraty e na equipe econômica do governo Lula nas últimas semanas. Afinal, o Brasil é defensor ferrenho do bloco e defende acordos multilaterais com outras organizações, como a União Europeia.

Durante a campanha, o presidente argentino eleito fez duras críticas ao Mercosul. Por exemplo, chamou o bloco de “união aduaneira de má qualidade, que cria distorções comerciais e prejudica todos os seus membros” e “comércio administrado por estados para favorecer empresários”.

Em uma entrevista à Bloomberg em agosto, realizada pouco após sua vitória nas prévias, Milei prometeu que tiraria a Argentina do bloco caso ele fosse eleito. A declaração veio em meio a críticas aos governos de esquerda da América Latina e à China. Por exemplo, o então candidato chegou a afirmar de forma categórica:

“Não tenho parceiros socialistas.”

No entanto, à medida que se tornou favorito para vencer as eleições, Milei tratou de baixar o tom de suas declarações. No último debate contra seu oponente, Sergio Massa, ele já havia evitado fazer críticas tão contundentes ou promessas de rompimento com Brasil e China.

Mesmo assim, a relação com o governo brasileiro teve um novo momento de tensão após a vitória nas urnas. Milei convidou o ex-presidente Jair Bolsonaro para sua posse, que ocorrerá no dia 10 de dezembro. Com isso, acabou colocando em xeque a presença de Lula na cerimônia.

Por isso, a visita da futura chanceler argentina ao Itamaraty também foi uma forma de melhorar o clima entre as partes. Além desse gesto, o próprio Milei compartilhou uma carta convidando Lula para sua posse e exaltando a relação entre Brasil e Argentina.

Carta de Milei a Lula

Confira a tradução da carta na íntegra:

“Estimado Sr. Presidente:

Envio esta mensagem com o objetivo de lhe transmitir o convite para participar, no próximo dia 10 de dezembro, dos eventos que se realizarão por ocasião da minha posse presidencial.

Sei que você conhece e valoriza tudo o que significa este momento de transição para o percurso histórico da República da Argentina, do seu povo e, naturalmente, para mim e para a equipe de colaboradores que me acompanhará na próxima gestão de governo.

Em ambas as nações, temos muitos desafios pela frente, e estou convencido de que uma mudança de ordem econômica, social e cultural, baseada nos princípios da liberdade, nos posicionará como países competitivos, nos quais os cidadãos possam desenvolver suas capacidades ao máximo e, assim, escolher o futuro que desejam.

Sabemos que nossos países estão estreitamente ligados pela geografia e pela história e, baseados nisso, desejamos continuar compartilhando áreas de complementaridade, no nível da integração física, do comércio e da presença internacional, permitindo que essa ação conjunta se traduza, de ambos os lados, em crescimento e prosperidade para argentinos e brasileiros.

Espero que nosso tempo juntos como Presidentes e Chefes de Governo seja um período frutífero de trabalho e criação de laços que consolidem o papel que Argentina e Brasil podem e devem desempenhar no concerto de Nações.

Esperando encontrá-lo nessa próxima ocasião, receba meus cumprimentos com estima e respeito.”

Javier Milei

Mudança de foco? Entenda o que vem pela frente

O aparente recuo de Milei não ocorre à toa. Afinal, Brasil e China são os principais parceiros comerciais da Argentina atualmente. Além disso, o presidente eleito não deverá ter maioria no congresso e herdará diversos problemas econômicos das gestões anteriores.

Nesse cenário, o novo governo precisará ter cautela para levar em frente as medidas que considera mais importantes. E quais são elas?

Em relação ao Mercosul, ainda não está claro se a próxima chancelaria argentina aprovará os termos atuais de negociação. Mesmo com declarações otimistas de Mondino, há fatores que podem atrapalhar o acordo. Afinal, não é à toa que a negociação está travada há anos.

Desde a campanha, Milei defende a realização de acordos bilaterais em vez da participação em blocos como o Mercosul. Portanto, não está descartado que o novo governo sugira mudanças no estatuto do bloco ou passe a negociar tratados de livre comércio com outros países.

Nos primeiros meses do governo, ficará mais claro o quanto Milei está comprometido em finalizar o acordo Mercosul-União Europeia.

Nova chanceler confirma recusa aos BRICS

Se, por um lado, a participação da Argentina no Mercosul parece fadada a continuar, a entrada do país nos BRICS está descartada. A própria Diana Mondino anunciou a recusa ao bloco, em um post sem meias-palavras no X:

Em princípio, o principal foco de Milei na economia deverá ser a dolarização da Argentina e a extinção do banco central do país. Afinal, o presidente eleito não retrocedeu dessas propostas — pelo contrário, tem feito diversas declarações reafirmando sua implementação. Por isso, é provável que a sua política exterior passe a se guiar, em grande medida, pela necessidade de atrair dólares.

Levando isso em conta, as prioridades atuais dos BRICS parecem um contrassenso para o plano de Milei. Enquanto o bloco procura se afastar do dólar, o novo presidente argentino defende justamente o caminho inverso.

Nesse sentido, o ingresso nos BRICS poderia trazer problemas não apenas para a imagem cultivada por Milei durante a campanha, mas também à sua política econômica. Até mesmo o acesso ao banco da instituição poderia não ser tão vantajoso. Afinal, ele tem buscado oferecer parte significativa de seus empréstimos em moedas como o real e o rand sul-africano.

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