Foto de Eddy Billard, por Unsplash

Como é possível a República Democrática do Congo ser um dos países mais ricos do mundo, em recursos naturais, e um do mais pobres do mundo, em renda per capita? E ainda ser a base fundamental para a produção das baterias usadas nos smartphones e nos carros elétricos?

Veja a seguir, a denúncia de “escravidão moderna”, feita por um professor de Harvard. E conheça a realidade da população do Congo, que sofre massacres com a guerra das milícias.

O livro “Red Cobalt – How the blood of the cobalt powers our lives” (Cobalto Vermelho – Como o sangue do cobalto alimenta nossas vidas), de Siddharth Kara, foi além das páginas. Reverberou uma denúncia espalhada pelo mundo: a exploração desumana de cidadãos do Congo para a extração da matéria-prima usada em baterias de íon de lítio.

Kara quis escrever o livro para levar ao maior número de pessoas os resultados da sua pesquisa, e ele conseguiu. No fim do ano passado, houve uma grande repercussão, quando Siddharth deu uma entrevista para o podcast The Joe Rogan Experience.

Kara pesquisa sobre trabalho escravo e trabalho infantil há mais de 20 anos

O podcast tem 15,2 milhões de inscritos. Em sete meses, o vídeo já foi visto 4,5 milhões de vezes. E por que tanta atenção para o discurso de Kara? Porque ele mergulhou na realidade do Congo e descobriu um caso de “escravidão moderna”, como ele classifica. Pessoas desumanamente exploradas para a obtenção do cobalto.

A Rogan, Kara contou que pesquisa sobre trabalho escravo e trabalho infantil há mais de 20 anos. E que, há sete anos, tomou conhecimento do caso do cobalto.

Em 2018, ele fez a primeira de várias viagens ao Congo. A ideia era apenas coletar informações para uma pesquisa acadêmica, mas ao chegar lá o pensamento dele mudou:

“As coisas que vi eram tão terríveis, dolorosas e urgentes que mudei minha abordagem. Achei que as pessoas precisavam saber sobre isso. Eu preciso escrever um livro, então, comecei a planejar mais viagens, e continuei voltando.”

Cobalto é necessário para a fabricação de baterias recarregáveis de íon de lítio

O pesquisador explica que o cobalto é necessário para a fabricação de baterias recarregáveis de íon de lítio, usadas em smartphones, tablet, laptop e veículos elétricos. E afirma que 72% do cobalto usado no mundo são extraídos das minas do Congo, em condições dolorosas e perigosas para os trabalhadores.

Siddharth acredita que o problema ainda é pouco conhecido ao redor do mundo e ele deseja que mais pessoas saibam o que está acontecendo no Congo.

“Eu não acho que as pessoas estão cientes de como isso é horrível. Houve alguns documentários que foram feitos e todos são aterrorizantes.”

Cobalto decolou como matéria-prima há cerca de 10-12 anos

Ele explica que essa catástrofe começou por volta do ano 2000, fim dos anos 1990. Logo após o genocídio de Ruanda, quando as milícias se mudaram para o leste do Congo. E foi nessa época que os telefones celulares começaram a ganhar força, mas não ainda com o uso de baterias feitas de íon de lítio. No entanto, outras matérias primas eram extraídas. E a exploração de mão de obra escrava já era feita pelas milícias, segundo Kara.

“Eles forçavam a população local sob a mira de uma arma, Machete Point, para desenterrar essas coisas e estava fluindo para a cadeia de suprimentos formal. Principalmente, para os telefones celulares de primeira geração. E isso ficou conhecido como minerais de conflito.”

O professor explicou que o cobalto decolou há cerca de 10-12 anos. E que está em outra parte do país, nas províncias de mineração no sudeste do Congo. O interesse veio com a fabricação das baterias de íon de lítio para maximizar sua carga e estabilidade.

“Antes que alguém soubesse o que estava acontecendo, as empresas de mineração do governo chinês assumiram o controle de quase todas as grandes minas. E a população da região foi deslocada, está sob coação e eles cavam em condições absolutamente subumanas por um dólar por dia.”

“Esta é a parte inferior da cadeia de suprimentos do seu iPhone, do seu Tesla ou do seu Samsung”, disse Kara.

Todos os fabricantes dessas baterias de íon de lítio estão envolvidos

Ele esclarece que essas empresas são apenas exemplos, mas que todos os fabricantes dessas baterias estão envolvidos. Kara conta que gravou um pequeno vídeo quando esteve em uma mina, chamada Shabara.

“Fui o primeiro forasteiro a entrar nesta mina. Por isso que é apenas um vídeo muito curto que consegui gravar. Esta é uma mina industrial de cobalto onde não deveria haver sequer um trabalhador braçal. Pessoas que estão apenas cavando manualmente, em vez de tratores e escavadeiras.”

“Há mais de 15.000 seres humanos amontoados naquele poço, cavando com a mão e você tem o som, você ouve as marretas, você ouve os gritos, você ouve os grunhidos.”

Pesquisador contesta sobre “cobalto limpo”

Se há uma ideia de que existe um “cobalto limpo” (energia limpa) porque os carros elétricos substituem o uso dos combustíveis fósseis, o escritor é completamente contrário a essa informação.

“Não há nada limpo, não é real, é tudo marketing. Não deveria haver nenhuma mineração artesanal lá. O vídeo mostra que, na verdade, é toda força humana bruta. Isso para retirar aquele cobalto do solo, então não há cobalto limpo”.

Ele garante não haver uma única empresa no planeta Terra que faça um dispositivo com uma bateria recarregável, que possa alegar de forma confiável e justificada que seu cobalto não vem de fontes como essa.

“Existem essas ficções contadas no topo da cadeia sobre como são as condições na base. E quem gosta de saber a verdade deve encontrar essa verdade, e iluminar a civilização para que as pessoas fiquem incomodadas com isso e queiram fazer algo a respeito.”

Siddharth diz que já visitou várias indústrias de cobalto e que nunca viu alguma que utilizasse maquinário, em vez de escravidão e mão de obra infantil. E que não usasse a força de trabalho dos moradores do Congo.

Segundo o escritor, os trabalhadores recebem, no máximo, dois dólares por dia. Não usam equipamento de segurança, como luvas e máscaras, além de respirarem substâncias tóxicas.

“Eles vão falar que não tem garimpo ali, não tem criança ali, e se você quiser, dê um zoom (no vídeo que ele gravou), vai ver que nesse mar de humanidade tem milhares de crianças, adolescentes, no caso, porque isso requer uma certa força.”

Crianças do Congo. Foto de Imani Bahati, por Unsplash

Consumo de cobalto deve aumentar nas próximas décadas impulsionado pela adoção de veículos elétricos

Kara não tem dados sobre a forma de produção do cobalto em outros países, mas sabe que parte do restante da produção se divide dessa forma:

  • 3% na Rússia
  • 3% na Austrália
  • 3% em Marrocos.

“Imagino que na Austrália, a mineração segue padrões de dignidade, decência de trabalho e sustentabilidade. Mas não há cobalto suficiente.”

Sobre a demanda, Siddharth informou que as projeções são de quatro ou cinco aumentos de 600% no consumo de cobalto nas próximas duas décadas. Impulsionados, principalmente, pela adoção de veículos elétricos. Ele disse que cada bateria em um veículo elétrico requer até 10 quilos de cobalto refinado, 1000 vezes mais que a quantidade usada para um Smarthphone.

O pesquisador não é contra o uso do cobalto nas baterias, mas é contra a exploração desumana no Congo. Kara diz que as empresas que usam o cobalto não tomam medidas para mudar a situação.

“A maior parte do que é feito são declarações de relações públicas. Eles não estão fazendo o suficiente para respeitar as pessoas e a terra do Congo enquanto nós, do lado de fora, desfrutamos de nossos estilos de vida movidos a gadgets renováveis.”

Siddharth Kara é americano, professor adjunto da Universidade de Harvard, professor global da British Academy e professor associado da Universidade de Nottingham. Ele também publicou uma trilogia sobre a escravidão moderna: Sex Trafficking: Inside the Business of Modern Slavery (2009), Bonded Labour: Tackling the System of Slavery in South Asia (2012) e Modern Slavery: A Global Perspective (2017).

Disputa pelo cobalto entre americanos e chineses

Wai Tan, Shanghai, China. Foto de Li Yang, por Unsplash

Em novembro de 2021, o The New York Times publicou a matéria A Power Struggle Over Cobalt Rattles the Clean Energy Revolution (Uma luta pelo poder sobre o cobalto abala a revolução da energia limpa). O jornal destacou que:

“A busca pelo cobalto do Congo, que é vital para os veículos elétricos e para o esforço mundial contra a mudança climática, está inserida em um ciclo internacional de exploração, ganância e jogo.”

A matéria investigativa do New York Times revela um jogo de poder entre China e Estados Unidos, estimulado pela produção de carros elétricos. Esses veículos precisam de cobalto para funcionar por mais tempo, sem recarga. Os chineses compraram duas das maiores minas de cobalto nos últimos cinco anos. E o presidente americano Joe Biden demonstrou preocupação sobre esse ponto, relataram os repórteres do NYT.

“Bem, estamos prestes a mudar isso de uma maneira muito, muito significativa, disse Joe Biden.”

Segundo a publicação, em 2020, 15 das 19 minas produtoras de cobalto, no Congo, eram de propriedade ou financiadas por empresas chinesas.

As investigações mostraram haver um grande investimento financeiro da China no Congo, com obras de infraestrutura no país. E que seria parte de um acordo com o governo do Congo para abrir caminho para a exploração do minério.

Contradição entre pobreza humana e riquezas naturais

População do Congo é uma das mais pobres do mundo, em renda per capita. Foto de Guy Basabose, por Unsplash

O congo é um país com muitas riquezas naturais, mas, ao mesmo tempo, um dos mais pobres do mundo, que sofre com guerras, responsáveis por milhares de mortes.

A República Democrática do Congo (que não é República do Congo – país vizinho) tornou-se o segundo maior país africano, depois da separação do Sudão do Sul, em 2011. Fica localizado na África Central e possui cerca de 84 milhões de habitantes, número semelhante à população da Alemanha. É o quarto país mais populoso da África e tem o francês como língua oficial.

O Congo foi colonizado pela Bélgica e só se tornou independente, em 1960. Desde então, fo considerado um dos mais pobres do mundo, com um dos menores PIB nominal per capita. (Trata-se do índice determinado quando o valor de todos os bens e serviços produzidos num país, em determinado ano, é dividido pelo número de habitantes). Em 2013, o Congo só ficou atrás do Burundi.

Um dos mais baixos IDH do planeta

O IDH, índice de Desenvolvimento Humano, também é um dos mais baixos do planeta. Em 2015, foi de 0,435, ocupando a posição 176, entre 188 países avaliados.

Por outro lado, uma grande contradição chega a ser chocante. A República Democrática do Congo é considerada um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais, apontado como o segundo mais biodiversificado, atrás apenas do Brasil.

Enquanto as grandes potências mundiais, no caso, China e Estados Unidos, disputam a exploração do cobalto, cidadãos do Congo são mortos por milicianos.

Rebeldes do grupo M23 atacam vilarejos e matam pessoas. Em novembro do ano passado, 26 mil pessoas haviam se deslocado de suas casas para fugir de massacres, segundo informação da Agência de Refugiados da ONU. Centenas de milhares já estavam desalojadas desde o início dos combates entre o M23 e uma aliança de milícias armadas de proteção civil, no fim de 2021.

Apelo do Papa Francisco: “Chega de enriquecer às custas dos mais fracos”

Papa Francisco interfere contra exploração humana em Congo. Foto de Ashwin Vaswani,via Unsplash

Em fevereiro deste ano, o Papa Francisco se posicionou contra a guerra na República Democrática do Congo, durante sua visita ao país, onde celebrou uma missa para 1 milhão de pessoas.

Conforme publicado na Carta Capital, Francisco expressou sua indignação diante da:

“Exploração ilegal dos bens deste país e do sacrifício sangrento de vítimas inocentes” da guerra.”

“Dirijo um apelo veemente a todas as pessoas, a todas as entidades, internas e externas, que manipulam as cordas da guerra na República Democrática do Congo, depredando-a, flagelando-a e desestabilizando-a”, disse o papa.

“Chega! Chega de enriquecer às custas dos mais fracos, chega de enriquecer com recursos e dinheiro manchados de sangue!”, clamou.

O B2C tentou obter respostas das empresas Microsoft e Apple sobre a denúncia, mas não houve retorno, até o momento.

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